A Associação Les Hénokiens e a importância do planejamento sucessório nas empresas familiares

Por Martina Müller Assmann

As empresas familiares variam de pequenos negócios, como mercados de bairro, a gigantes como Nike (família Knight), LVMH (família Arnault) e Magazine Luiza (família Trajano), desempenhando um papel fundamental na economia mundial.

Segundo um estudo da Universidade de St. Gallen[1], na Suíça, apenas as 500 maiores empresas familiares geram receitas de US$ 8,02 trilhões e empregam cerca de 24,5 milhões de pessoas globalmente. No Brasil, conforme dados do IBGE, 90% das empresas têm perfil familiar, representando mais da metade do PIB[2].

Apesar do volume e sucesso de muitas empresas familiares, sua longevidade é frequentemente ameaçada por problemas de sucessão. Estudos da PwC indicam que apenas 36% das empresas chegam à segunda geração, 19% à terceira e 7% à quarta[3].

Diante desses dados, pode ser difícil imaginar empresas com mais de duzentos anos ainda pertencentes às famílias dos fundadores. No entanto, essa é a realidade das 56 empresas integrantes da Associação “Les Hénokiens”[4]. O próprio nome da associação remete à longevidade: segundo o Antigo Testamento, Henok, ou Enoque, filho de Caim e pai de Matusalém, teria vivido 365 anos até ser chamado por Deus aos céus.

A mais longeva de suas integrantes é a pousada japonesa Hōshi Ryokan, fundada em 717 (mais de 1.300 anos), enquanto a mais nova, a indústria de cristais austríaca J.&L. Lobmeyer, foi constituída em 1823. Entre as mais conhecidas está a fabricante automotiva francesa Peugeot, fundada em 1810 (atualmente, PSA Peugeot Citroën).

O ingresso na associação depende de convite e do cumprimento de uma série de requisitos: estar em atividade há mais de 200 anos; ter a maior parte das ações ou quotas representativas do capital social detidas por descendentes do fundador; contar com pelo menos um membro da família nos órgãos de administração; e ter uma sólida situação financeira.

Para os Hénokiens, o negócio deve valorizar a tradição e o conceito de empresa familiar, mas também deve se desenvolver constantemente por meio da inovação e diversificação. A associação visa promover a troca de ideias (e não transações comerciais) e incentivar a realização de estudos acadêmicos sobre as sociedades que a integram. Afinal, por mais que um toque de sorte seja necessário para alcançar tamanha longevidade, o trabalho árduo e um planejamento eficaz são essenciais.

Como resultado de um dos estudos, contando com a experiência dos membros da associação e os conhecimentos do Professor William T. O’Hara, fundador do “Institute of Family Enterprise at Bryant College” (EUA), foram desenvolvidas diretrizes para auxiliar na preparação e efetivação da sucessão nas empresas familiares.

O primeiro destaque que se dá ao conteúdo do estudo é a necessidade de analisar cada caso específico. É fundamental que um planejamento patrimonial e sucessório analise não apenas o patrimônio e a empresa, mas também os objetivos e expectativas de cada membro da família, para que, só então, sejam identificados os instrumentos jurídicos aplicáveis. A utilização de estruturas e modelos prontos não apenas podem ser inadequadas ao perfil familiar e empresarial, como podem prejudicar a proteção do patrimônio e a longevidade do negócio.

 É crucial que o planejamento seja desenvolvido com apoio jurídico, garantindo que os instrumentos atendam às exigências legais e expressem a vontade dos envolvidos de forma efetiva e adequada. Complementa-se que o profissional encarregado deve estar sempre atento não apenas às leis vigentes, mas às mudanças legislativas que possam surgir. Afinal, um dos objetivos do planejamento é a preservação do patrimônio e a continuidade da empresa.

É justamente por essa razão que um planejamento patrimonial e sucessório não é estático. Revisões periódicas são essenciais para garantir que a estrutura permaneça adequada à conjuntura legal e econômica, assim como aos interesses da família.

As guidelines desenvolvidas mostram que o processo deve ir além da mera busca por redução tributária – algo que, no Brasil, muitas vezes é atrelado ao planejamento de forma temerária. Embora a redução da carga tributária seja um aspecto importante, o planejamento patrimonial e sucessório deve ter uma abordagem muito mais ampla.

Nesse sentido, o estudo abrange diversas temáticas. Por exemplo, é sugerido que os membros mais velhos da família tenham uma aposentadoria ativa, prevendo o estilo de vida desejam levar e a renda necessária para isso. Por outro lado, é recomendado que os membros da nova geração assumam papéis que combinem seus interesses pessoais, talentos e circunstâncias familiares.

Para que a transição entre gerações ocorra da forma mais harmoniosa possível, o estudo orienta a definição de regras, como o momento da sucessão – em vida ou após a morte; a definição de experiências e qualificações mínimas que os sucessores devem atingir; a avaliação da empresa (do patrimônio) e revisões periódicas do valor atingido; e a criação de planos de contingência caso o sucessor decida sair da sociedade ou precise ser substituído.

Embora o foco das diretrizes seja empresas operacionais, as orientações são plenamente adaptáveis tanto às empresas patrimoniais quanto às famílias que não dispõem de tais estruturas, mas desejam iniciar o processo de sucessão do patrimônio. Afinal, a ausência de planejamento, tanto patrimonial quanto sucessório, pode gerar litígios indesejados e a dilapidação de patrimônio que, por muitas vezes, foi construído a muito custo ao longo de gerações.

O cenário atual brasileiro é de profundas alterações legislativas – a reforma tributária está em pleno vigor e discute-se uma ampla revisão do Código Civil, que pode trazer muitas mudanças nas leis referentes ao direito de família e sucessório. Por tais motivos, o momento é propício para a organização patrimonial e sucessória das famílias brasileiras e também para a revisão das estruturas já desenvolvidas.


[1] ZELLWEGER, Thomas; et al. How the world’s largest family business are outstripping global economic growth. Acesso em https://familybusinessindex.com/

[2] ITO, Sidney; et al. A evolução das empresas familiares no Brasil. Disponível em https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/br/pdf/2021/03/artigo-evolucao-empresas-familiares.pdf

[3] NAOME, Letícia; NUNES, Ana Carolina. Empresas familiares geram US$ 7,28 trilhões no mundo, aponta índice. CNN Brasil Business. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/financas/empresas-familiares-geram-us-728-trilhoes-no-mundo-aponta-indice/

Martina Müller Assmann é especialista em Direito Empresarial pela PUCRS e pós-graduanda em Planejamento Patrimonial e Sucessório pela PUC-Minas. É advogada no Escritório Hilgert & Ferrazzo Advocacia com atuação principal nas áreas do direito societário e planejamento patrimonial e sucessório.

 

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