Por Pedro M. Leite
Na última terça-feira, 16, foi publicada a Lei nº 14.973/2024. Oriunda do Projeto de Lei nº 1.847/2024, proposto em 15/05/2024 pelo Senador Efraim Filho, havia incialmente apenas dois objetos: regime de transição para a contribuição substitutiva prevista pelos arts. 7º e 8º da Lei nº 12.546/2011, e para o adicional sobre a Cofins-Importação.
Depois de várias modificações no Legislativo, a nova lei é uma verdadeira colcha de retalhos, dada a inclusão de diversos assuntos tributários e administrativos, tornando-se um autêntico “jabuti”.
Para informar o leitor acerca dos temas que tocam o planejamento tributário, patrimonial e sucessório, destacam-se dois: (i) possibilidade de atualização do valor de bens imóveis e (ii) nova edição do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT). Vejamos alguns detalhes.
Atualização dos bens imóveis.
No Capítulo II da Lei, dos arts. 6º ao 8º, possibilita-se ao contribuinte a opção de atualizar o valor dos bens imóveis informados na Declaração de Ajuste Anual (DAA) para o valor de mercado atual.
O racional é simples: o contribuinte adianta o pagamento do tributo sobre o ganho de capital, que somente seria incidente em momento futuro na alienação do imóvel e, em troca, tem o benefício de uma alíquota menor.
No entanto, o benefício proposto pela Lei, na forma de redução de alíquota, comporta alguns pontos de atenção.
Para os contribuintes Pessoa Física a alíquota é 4% – frente a alíquota progressiva (15% a 22,5%) a título de IR-Ganho de Capital. Não menos importante, as Pessoas Jurídicas (em especial holdings patrimoniais e imobiliárias, por exemplo) detentoras de imóveis também foram incluídas na Lei, utilizando a mesma metodologia de cálculo, mas aplicando-lhes as alíquotas definitivas de 6% (IRPJ) e 4% (CSLL), respectivamente, totalizando 10%.
Neste caso, é facilmente aplicável a passagem citada, em 1975, pelo renomado economista Milton Friedman (1912-2006): não existe almoço grátis.
No nosso contexto, a contrapartida do benefício me parece um tanto exacerbado. O artigo 8º determina que aquele contribuinte que atualizar deverá manter a propriedade do bem pelos próximos 15 (quinze) anos.
Caso ocorra a alienação, o racional deverá ser refeito, no seguinte sentido: apenas uma porcentagem do valor da atualização irá compor o custo de aquisição para cálculo do novo ganho de capital. A porcentagem é calculada de forma proporcional ao tempo decorrido desde a atualização em que o contribuinte permanecer como proprietário do imóvel.
Dois pontos despertam bastante atenção:
- Não é novidade que a mensuração do “valor de mercado” têm ocasionado contencioso administrativo e judicial de considerável volume. Isto, pois, a Lei não indicou como deverá ser mensurado, se há alguma referência, vistas a pergunta – ainda sem resposta – de qual critério o contribuinte deverá utilizar para delimitar o valor de mercado;
- Atribuição de percentual zero de redução no prazo mínimo de 3 (três) anos. O art. 8º, I, da Lei determina que o contribuinte não poderá se valer do novo custo para reduzir o ganho auferido. O efeito prático imediato dessa atualização é nulo.
Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT)
Na sua terceira edição, o RERCT retorna à pauta. A primeira edição ocorreu em 2016 e a segunda edição em 2017.
O programa tem por finalidade possibilitar a declaração voluntária dos bens e direitos de origem lícita, que não foram declarados ou contém omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, mantidos no Brasil ou no exterior.
Diferentemente da segunda edição do RERCT/2016, o primeiro ponto que se destaca nesta nova edição é a ausência de vedação expressa quanto à adesão. Isto, pois, a Lei 13.254/2016 não permitia adesão de detentores de cargos públicos “nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação desta Lei”. Em 2023, o tema foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5586, o STF julgou constitucional a vedação prevista no artigo.
O Capítulo III da Lei institui o RERCT-Geral e, neste contexto, três aspectos merecem nossa atenção.
A uma, o escopo está contido no art. 11, o qual estabelece que a regularização aplicar-se-á todo tipo de bem, como aqueles listados em trusts, veículos, imóveis, depósitos e investimentos e direitos intangíveis (marcas, patentes e outros), desde que de origem lícita cuja propriedade seja de residentes ou domiciliados no país até 31/12/2023.
Será facultado ao contribuinte regularizar bens localizados tanto no Brasil quanto exterior, não declarados ou declarados com incorreções – revelando-se uma oportunidade de regularização, em alguns casos. O valor a declarar deverá ser o de mercado, considerado assim: depósitos ou investimentos, o constante em documento do banco; se forem oriundos de empréstimo, o informado no contrato entre as partes; se forem patentes, o indicado em avaliação feita por entidade especializada, e assim por diante.
A duas, os bens regularizados estarão sujeitos à tributação à alíquota de 15% (quinze por cento), acrescido de multa de 100% sobre o valor adicional. Para os ativos do exterior, haverá conversão utilizando o PTAX de 4,8413, referente a 29/12/2023.
A três, o art. 17 da Lei traz uma garantia especial ao contribuinte. É necessário identificar que são oriundos de atividade econômica lícita, feita a seguinte ressalva no texto da Lei “sem obrigatoriedade de comprovação“. A Lei atribui à Secretaria Especial da Receita Federal o ônus em demonstrar que é falsa a declaração apresentada, se houver discordância quanto a licitude, desde que demonstrado previamente “a presença de indícios ou outros elementos”.
Aos contribuintes que forem realizar a adesão do RERCT, importante se atentar a dois detalhes: (i) prazo de adesão já está fluindo, são 90 dias após a publicação da lei (16/09); e (ii) obrigatoriedade de informe na DAA 2024 e DCBE 2024 dos bens regularizados.
Ao fim, aprovado o PL e promulgada a Lei nº 14.973/24, restam pendentes questões acerca da operacionalização e viabilidade dos institutos previstos. Permanecemos atentos aos desdobramentos.
Pedro M. Leite – Pós-graduado em Direito Tributário pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI); MBA em Direito do Agronegócio pelo Centro de Estudos e Negócios (CEDIN). Membro da Comissão Federal de Direito Agrário da OAB/SP. Advogado atuante em Wealth Planning no Chulam Colucci Advogados.