Novamente no apagar das luzes de um ano, agora de 2024, o Governo Federal, através da Receita Federal do Brasil, publicou no dia 31/12 passado, a Portaria RFB n.º 505/2024, em que o Fisco Federal altera a regra de classificação de pessoas físicas e jurídicas como maiores contribuintes. Focaremos aqui especificamente nas pessoas físicas.
A nova classificação, tratada no artigo 2º da Portaria, dispõe que a classificação de maiores contribuintes será realizada com base, para pessoas físicas, nos seguintes critérios:
(i) valor dos rendimentos declarados;
(ii) valor dos bens e direitos declarados; ou
(iii) o valor das operações de renda variável.
Portanto, os critérios trazidos na nova normativa dizem respeito a dois pilares (com a inclusão de um terceiro que pode ser levado em consideração em lugar do segundo): o valor dos rendimentos declarados no ano e o valor dos bens e direitos (ou, a critério da Receita Federal, no caso deste último pilar, poderá considerar o valor das operações de renda variável). O artigo 3º, dispõe que as classificações trazidas para as pessoas físicas terão por fundamento os parâmetros de valores constantes no Anexo I da Portaria, que traz duas espécies de maiores contribuintes: (a) a Pessoa Física Diferenciada e (b) a Pessoa Física Especial. Os critérios e fundamentos são explicitados na Planilha trazida no referido Anexo I e de acordo com as informações que a Receita Federal do Brasil dispõe relativas ao segundo ano-calendário anterior ao ano objeto de análise (artigo 2º, §1º, incisos I e II):
CRITÉRIO | PESSOA FÍSICA DIFERENCIADA | PESSOA FÍSICA ESPECIAL |
Valor dos rendimentos declarados | Maior ou igual a R$15 milhões | Maior ou igual a R$100 milhões |
Valor dos bens e direitos declarados | Maior ou igual a R$30 milhões | Maior ou igual a R$200 milhões |
Valor de operações em renda variável | Maior ou igual a R$15 milhões | Maior ou igual a R$100 milhões |
Para fins da classificação do artigo 2º, a Receita Federal poderá também considerar: (i) estudos e análises sobre o potencial econômico-tributário das pessoas físicas; (ii) critérios de depuração dos dados disponíveis, para evitar inconsistências; ou (iii) outros critérios de interesse fiscal.
Ficou definido, por fim, que a Coordenação Especial de Maiores Contribuintes editará normas complementares com a finalidade de estabelecer indicadores, metas, critérios de seleção, jurisdição e formas de controle e avaliação específicas para os processos de trabalho ou atividades relacionadas às pessoas físicas. A Portaria nº 505/2024 revogou as Portarias RFB nº 390/2023 (tratava das PJs) e a 5019/2020 (que tratava das PFs).
Importante trazer à lume as diferenças em relação à normatização anterior, ou seja, exatamente o que muda em 2025. A Portaria RFB nº 5019/2020 já trazia em seu bojo a dicotomia entre os maiores contribuintes, ou seja, a Pessoa Física Diferenciada e a Pessoa Física Especial. Porém, os fundamentos financeiros dos critérios da Pessoa Física Diferenciada eram diversos. Vejamos:
CRITÉRIO | PESSOA FÍSICA DIFERENCIADA | PESSOA FÍSICA ESPECIAL |
Valor dos rendimentos declarados | Soma tenha sido superior a R$20 milhões | Soma tenha sido superior a R$100 milhões |
Valor dos bens e direitos declarados | Soma tenha sido superior a R$40 milhões | Soma tenha sido superior a R$200 milhões |
Valor de operações em renda variável | Soma tenha sido superior a R$20 milhões | Soma tenha sido superior a R$100 milhões |
Portanto, duas alterações se mostram mais evidentes. Uma delas, mais sutil, mas ambas havidas nos fundamentos para classificação dos contribuintes como “maiores”. A primeira, e mais sutil, diz respeito ao procedimento de avaliação pela Receita Federal do maior contribuinte:
- Portaria nº 5019/2020 – “as informações relativas a 2 (dois) anos-calendário anteriores ao ano objeto do monitoramento” e;
- Portaria nº 505/2024 – “especialmente aquelas relativas ao segundo ano-calendário anterior ao ano objeto de análise”.
Ou seja, enquanto anteriormente era feita uma análise das informações das últimas duas declarações em relação ao ano objeto do monitoramento, agora, será levada em conta, especialmente, aquilo declarado no segundo ano-calendário anterior ao objeto da análise.
A segunda e última alteração veio em relação às Pessoas Físicas Diferenciadas, nas quais os pisos para sua caracterização foram diminuídos no caso de rendimentos de declarados de 20 milhões para 15 milhões, no caso de bens e direitos de 40 milhões para 30 milhões, ou no caso das operações em renda variável de 20 milhões para 15 milhões. Os sarrafos no caso das Pessoas Físicas Especiais não foram alterados.
Desta forma, entende-se que a partir de 2025 a Receita Federal passará a fiscalizar de forma mais atenta e rigorosa muito mais contribuintes, especialmente considerando que nesta faixa patrimonial existe um sem-número de investidores no exterior. Portanto, a edição da Portaria RFB nº 505/2024 vem diretamente ao encontro do discurso do Governo e da Receita Federal, após a edição da Lei nº 14.754/2023 que instituiu a nova tributação anual do Imposto de Renda sobre os investimentos no exterior, de que iriam fiscalizar com rigor aqueles contribuintes que investem no exterior e a forma como irão declarar seus ganhos e como irão os oferecer à nova tributação.
Apenas para lembrar que em 2024 os maiores contribuintes já foram foco de fiscalização por parte da Receita Federal, quando esta notificou aqueles que possuíam estruturas offshore de investimento, como PICs, Fundos no Exterior, Fundações, Trusts com underline company para demonstrar o pagamento de IR na modalidade ganho de capital quando da realização de reduções de capital e outros eventos. Muitos dos maiores contribuintes foram autuados nesta fiscalização. Outro detalhe importante foi que os maiores contribuintes receberam uma carta em 2024 da Receita Federal do Brasil “convidando-os” a atualizarem seus ativos no exterior através da ABEX – Atualização de Bens e Direitos no Exterior – nos moldes dos artigos 14 da Lei nº 14.754/2023 e Instrução Normativa RFB nº 2.180/2024, artigos 48, 52 e 53, ponto este que poderá ser foco de análise atenta do FISCO.
Desta maneira, antevê-se que o FISCO em 2025, além de “descer o sarrafo” financeiro para consideração de maiores contribuintes, considerará, especialmente, para fins de definição destes novos “maiores contribuintes” as informações da declaração do ano calendário 2022, exatamente um ano-calendário anterior a linha de corte de 2023 estabelecido na Lei nº 14.754/2023, o que pressupõe que haverá um pente fino nas informações e uma caça à possíveis inconsistências. Preparem-se, os jogos vão começar…
Fabio Lago Meirelles, Advogado formado pela FMU/SP; Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil; LLM em Direito Penal e Processo Penal; Especialista em Planejamento Estratégico pela ADESG/SP – método ESG -; Contabilidade Geral pela FGV e IFRS pela IACAFM / IBEFAC; é head da área de Wealth Planning do Rocca & Zveibil Advogados