Por Bruno Lima e Moura de Souza
Em 28 de janeiro de 2025, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) proferiu decisão que tem afligido muitas empresas familiares e profissionais do planejamento patrimonial e sucessório. A tributação pelo ITCMD na distribuição desproporcional de lucros na sociedade limitada.
A decisão[1] envolveu uma empresa limitada em que os sócios, de uma mesma família, decidiram distribuir lucros de maneira desproporcional em relação ao percentual de quotas que cada um possuía na empresa. No caso, os genitores detinham 98% das quotas, sendo 70% pelo pai e 28% pela mãe, ao passo que cada um dos dois filhos detinha 1%. A empresa realizou distribuição de lucros de maneira desproporcional ao capital social, atribuindo 90% do valor aos dois filhos (45% para cada um) e 5% para cada um dos genitores.
Em fiscalização realizada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, o fisco autuou os dois filhos por entender ter havido doação dos pais aos filhos na forma de distribuição desproporcional dos lucros da empresa. Em sede administrativa, o entendimento fiscal prevaleceu no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT). Ajuizada medida judicial, a sentença foi desfavorável aos contribuintes e, posteriormente, negado o seu recurso pelo TJSP.
Em sua defesa, o contribuinte argumentou que a distribuição desproporcional dos lucros era legítima porque estava prevista em contrato social, permitindo a distribuição de lucros de forma que não refletisse diretamente a participação no capital social.
Do lado fiscal, sustentou-se que, na ausência de uma razão negocial clara (ou seja, um motivo empresarial justificável), essa distribuição deveria ser considerada uma doação, sujeita ao ITCMD. A razão para essa visão é que a distribuição parecia ser uma transferência patrimonial por liberalidade (ânimo de doar) e não por uma necessidade ou benefício empresarial direto.
Esse entendimento foi corroborado pelo TJSP, cuja ementa tem a seguinte redação:
APELAÇÃO MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – DOAÇÃO TRAVESTIDA DE DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DE DIVIDENDOS – IMPOSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DA TRIBUTAÇÃO REFERENTE À DOAÇÃO Pretensão mandamental voltada a reconhecer o direito líquido e certo do impetrante de não ser compelido ao pagamento do ITCMD incidente sobre a distribuição desproporcional de lucros realizada pela sociedade DAVILAR PROJETOS E EMPREENDIMENTOS LTDA., em 05/01/2017, ou, alternativamente, a redução da multa de 100% do valor do tributo – inadmissibilidade – a doação difere da distribuição desproporcional de lucros lícita em razão da liberalidade espontânea estar presente na primeira situação e o propósito negocial na segunda – ausente, no caso, a razão negocial, e presente a liberalidade espontânea, assim considerado o animus donandi, de modo que a transferência do patrimônio da sociedade para os sócios (não administradores à época), ainda que com aparência de distribuição desproporcional de lucros, caracteriza-se como doação (…) Recurso do impetrante desprovido.
De acordo com a decisão, para ser considerada uma doação, deve haver um “animus donandi“, ou seja, a intenção de beneficiar alguém sem receber nada em troca. O acórdão concluiu que, no caso, havia essa intenção, já que a distribuição não correspondia a um benefício proporcional ao trabalho ou investimento dos sócios. Em outras palavras, a doação foi caracterizada uma vez que não ficou constatado propósito negocial para a distribuição desproporcional.
Vale destacar que na época em que foi realizada a distribuição desproporcional, os filhos, que receberam a maior parte do lucro distribuído, não constavam como administradores da empresa. A inclusão dos filhos como sócios administradores só foi realizada na alteração de contrato social, ocasião em que também foi instituído o usufruto vitalício sobre as quotas dos genitores.
Além da questão da tributação, discutiu-se também a multa de 100% do valor do imposto aplicada pelo não pagamento do ITCMD, que foi considerada confiscatória pelo contribuinte. Todavia, o tribunal considerou que não havia caráter confiscatório, alinhando-se com precedentes do STF que limitam multas punitivas a 100% do valor do tributo devido.
Este caso é um lembrete importante para empresários e sócios de empresas limitadas (e familiares) sobre a necessidade de justificar claramente a distribuição de lucros quando esta não segue a proporção das quotas de capital. A distinção entre uma distribuição legítima e uma doação pode ter significativas implicações fiscais.
Para quem lida com gestão empresarial, é essencial entender que a legislação tributária pode interpretar ações internas da empresa de maneiras que vão além da intenção original dos sócios. A consulta prévia a advogados especializados em direito tributário pode evitar interpretações que resultem em obrigações fiscais inesperadas.
[1] Apelação Cível nº 1089011-58.2023.8.26.0053.
Bruno Lima e Moura de Souza é advogado pós-graduado em direito tributário e integrante do departamento de tax e wealth planning do BLS Advogados em São Paulo.
