Quando falamos de separação, divórcio ou morte envolvendo Produtores Rurais, muitos ainda imaginam que basta “dividir tudo ao meio”: “cada um pega sua parte da terra” ou “x cabeça de gado pra cada um”.
Mas o campo não é só chão ou número de bichos. O campo é empresa, é produção, é ciclo, é lucro. O campo vive de frutos e rendimentos, e isso é um detalhe que somente os especialistas enxergam.
Em contextos urbanos, muitas vezes os bens são mais estáticos: imóveis, carros, aplicações. No campo, não. O patrimônio rural envolve semoventes (ex: gado), terras com finalidades distintas, maquinário, produção em andamento, dívidas sazonais e contratos longos. E tudo isso precisa ser avaliado com critério técnico, econômico e jurídico.
Um touro reprodutor premiado vale mais do que 20 bezerros. Uma terra com matrícula ambiental regular vale mais do que uma área embargada. Uma fazenda produtiva com pivô central, equipe treinada e safra em curso não é qualquer “terra”.
Como fica no Divórcio?
O regime da comunhão parcial de bens, o mais comum entre os casais brasileiros, visto que é o padrão determinado pela lei, determina que os bens adquiridos onerosamente durante o casamento devem ser partilhados. Mas como se calcula essa partilha no agro?
- Um rebanho que cresceu durante anos tem diferentes faixas de valor: matrizes, touros, bezerros, gado comercial, premiados.
- As terras nem sempre são homogêneas: uma pode ser produtiva, com plantio ativo e retorno constante; outra pode estar localizada em área de preservação permanente, o que limita seu uso e reduz significativamente seu valor econômico — e isso precisa ser considerado na hora da partilha.
- A fazenda familiar pode ter sido passada por herança (bem particular), mas seus frutos (lucros, safra, reinvestimentos e até bezerros) gerados no casamento são partilháveis.
Um advogado que não tem visão estratégica do negócio rural pode sugerir partilhas ineficientes, impossíveis de executar, ou que prejudicam a operação a ponto de inviabilizar sua continuidade.
E no Inventário?
Em casos de falecimento, os herdeiros normalmente estão lidando com dor, luto e insegurança, mas como diz o ditado: “O Agro não para”.
Se o produtor rural não estruturou seu patrimônio em vida, o inventário pode travar o que era funcional:
- Gado sem registro atualizado
- Contratos de parceria informalizados
- Maquinários em nome de terceiros
- Documentação fundiária incompleta
- Receita entrando, mas sem clareza de titularidade
A ausência de planejamento sucessório pode levar a meses (ou anos) de disputa judicial, partilhas injustas, perda de rentabilidade, enfraquecimento da empresa e até quebra do vínculo familiar.
Um advogado com experiência em patrimônio rural não olha só para o CPF dos envolvidos. Ele enxerga o CNPJ, a produtividade, a continuidade, o impacto tributário e as particularidades do agro.
É esse olhar que permite:
- Identificar o que é de fato partilhável
- Avaliar corretamente os bens, com apoio técnico especializado
- Sugerir compensações inteligentes em vez de divisões físicas prejudiciais
- Criar soluções que preservam o negócio, a terra e a relação familiar
É, portanto, fundamental buscar o advogado especializado no momento do divórcio ou do inventário. Mas, se puder, busque antes:
- Antes do casamento: é possível construir um pacto antenupcial inteligente, que proteja o patrimônio rural sem comprometer a relação conjugal.
- Antes da sucessão: é possível estruturar um planejamento sucessório que mantenha a empresa funcionando enquanto os herdeiros vivem o luto com dignidade — e sem prejuízos operacionais.
Profissional nenhum faz milagre. E acredite: o custo da prevenção é muito menor do que o do reparo.
Um divórcio ou inventário malconduzido pode ser o fim de anos — ou décadas — de trabalho de uma família. Não basta um advogado “de confiança”. É preciso um profissional que fale a língua do campo, compreenda o valor de cada hectare e saiba que, no agro, o tempo e a produtividade valem mais do que qualquer escritura.
Paula Picinato Cottas é advogada especialista em Proteção de Patrimônio Família-Empresa, com prática focada em Direito de Família e Sucessões, especialmente em Planejamento Patrimonial e Sucessório. É sócia e cofundadora do PACG Advogados, em Ribeirão Preto/SP.
