Por Emanuele Paranan Barbosa Güther
Segundo o dicionário Michaelis online, franquia é o sistema pelo qual determinada empresa concede os direitos a uma pessoa, física ou jurídica, de representá-la mediante pagamento de royalties e autorização, sob certas condições; franchise, franchising.
A legislação que regulamentou a franquia no Brasil foi a Lei nº 8.955/1994, posteriormente revogada pela Lei nº 13.966/2019.
Há uma definição legal de franquia empresarial no artigo 1º da Lei nº 13.966/2019, Vejamos:
“Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.(…)”
Durante a pandemia, o setor de franquias recuperou seu crescimento em relação ao desempenho do ano de 2019, conforme demonstrou uma Pesquisa Trimestral de Desempenho do Setor realizada pela Associação Brasileira de Franchising (ABF) em parceria com a AGP.
O retorno de forma gradativa da vida social e atividades econômicas após o auge da pandemia, especialmente durante o terceiro trimestre de 2021, é apontado como fator do crescimento de 7,8% no faturamento do setor de franquias empresariais, em comparação ao mesmo período de 2020.
A relação entre franqueador e franquia se dá por meio de contrato considerado altamente complexo, sendo que a franquia não pressupõe a existência de relação de prestação de serviços.
Sobre a incidência, a Lei Complementar nº 116/2003 – que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) – regulamenta a tributação da atividade de franquia (franchising), porém essa cobrança era matéria controversa, pelo fato de o contrato de franquia ser considerado complexo e o fato de a franquia não pressupor a existência de prestação se serviços.
O ISS é um imposto municipal, que incide sobre a prestação de serviços realizados por empresas e profissionais autônomos. Ele deve ser recolhido através do Documento de Arrecadação Municipal (DAM) por meio de guia própria, salvo, nos casos das empresas optantes pelo Simples Nacional (ME e EPP que se enquadrem nas exigências previstas) cujo recolhimento do ISS será incluso na guia DAS – Documento de Arrecadação do Simples Nacional.
A alíquota do ISS é variável entre 2% e 5%. No caso, por exemplo, de São Paulo e do Rio de Janeiro, o percentual fixado foi de 5%, o que ocasionava um impacto no fluxo de caixa de franqueadores e franqueados.
Neste cenário de altas alíquotas, duas cidades reduziram para 2% o ISS sobre franquias: Goiânia e São Paulo, onde era de 5%.
Em meados de maio de 2020, o STF julgou o RE nº 603.136[1], e reafirmou a tese de que é constitucional a incidência de ISS sobre contratos de franquia empresarial especificados na Lei nº 13.966/2019.
A origem do questionamento sobre a incidência do imposto se deu por uma decisão que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) proferiu, considerando constitucional a cobrança de ISS sobre o contrato de franquia, ao julgar a Lei Municipal nº 3.691/2003, onde foi incluído o setor entre os serviços tributáveis da lista do Anexo da Lei Complementar nº 116/2003.
Na ocasião, fixou-se o entendimento de que a questão constitucional passa pela interpretação do artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, que trata da competência dos municípios para a instituição de impostos sobre serviços, e pela definição de “serviço”.
Diante o exposto, firmou-se o entendimento de que a cobrança de ISS sobre os contratos de franquia (royalties) não viola o texto constitucional e coincide com a orientação atual do STF sobre a matéria.
Para o relator do caso, o ministro Gilmar Mendes, o ISS incide sobre atividades que possuem caráter misto ou híbrido e incluem tanto obrigações de fazer quanto de dar, bem como, os contratos de franquia incluem prestação de serviço na qual incide o ISS, visto que existe a aplicação de esforço humano destinado a gerar utilidade em favor do franqueado, criando assim um vínculo contratual, que não se limita à obrigação de dar e de fazer.
Por maioria de votos, e baseados nos argumentos acima, prevaleceu o entendimento de que os contratos de franquia são considerados como negócios jurídicos híbridos e, portanto, passíveis da cobrança de ISS, e são equiparados pelo conceito de serviços de qualquer natureza, estabelecido pelo art. 156, III, da Constituição Federal.
Ainda que as franquias empresariais tenham demonstrado um crescimento, é importante que o recolhimento de tributos e a responsabilidade pelo ônus fiscal estejam bem delimitadas no contrato franquia, tendo em vista a possibilidade de alteração do ônus fiscal da franqueadora para o franqueado, desde que por determinação contratual expressa.
Tal regulamentação é possível ser inserida na COF (Circular de Oferta de Franquia) – documento desenvolvido pelo franqueador e que descreve todas as condições gerais do negócio, principalmente em relação aos aspectos legais, obrigações e responsabilidades das partes, prevista sua obrigatoriedade no artigo 2º da Lei de Franquias[2].
Emanuele Paranan Barbosa Güther é advogada especializada em Direito Tributário e sócia do Güther & Paranan Advogados, em São Paulo/SP.
[1] Tema 300, RE 603.136, rel. Gilmar Mendes
[2] Lei nº 13.966/2019