Por David Roberto R. Soares da Silva
Já estamos chegando quase na metade do 2º semestre de 2024 e, em poucos meses, teremos as festividades de final de ano e a celebração de um novo ano que se inicia. No entanto, o que pouco se comenta é sobre a grande mudança de paradigma que veremos no ano que vem, especialmente quem possui investimentos no exterior.
Explico.
Em termos de imposto de renda e ativos no exterior, a virada de 2023 para 2024 foi um ano de novidades. A mudança na tributação dos investimentos no exterior trazida pela Lei nº 14.754/2023 foi uma mudança e tanto. Para quem detinha aplicações financeiras na pessoa física, há quem diga que as mudanças foram para melhor, com unificação de alíquota em 15% (contra até 27,5% até o ano passado) e pagamento anual do imposto, sem a necessidade de recolhimento de IR todos os meses.
Para aqueles com empresas offshore, as novidades não foram tão boas, especialmente por causa da criação de regras complexas para apuração e tributação (por vezes, automática) dos lucros auferidos no exterior. Mas, na prática, tirando a possibilidade (opcional) de atualização do valor dos bens no exterior (ABEX) e a necessidade de optar pelo tratamento transparente ou tratamento opaco para as entidades controladas, pouca coisa realmente mudou. Quem viu uma oportunidade no ABEX, desembolsou algum dinheiro e pôde reduzir a tributação futura. Quem não vislumbrou essa oportunidade, bastou não fazer nada.
Mas o pior parece que está por vir. Poucos estão se mexendo para avaliar as consequências das mudanças ocorridas no final de 2023 e que terão efeitos práticos relevantes na declaração de IR de 2025, ano-base 2024.
Nesta Parte 1, iremos nos dirigir àqueles que detêm investimentos financeiros diretamente na pessoa física. Sim, a alíquota foi reduzida, o imposto virou anual e a compensação de perdas passou a ser permitida. O que pouco se fala é que a carga tributária pode não ter sido reduzida como se poderia pensar à primeira vista.
A Lei nº 14.754/2023 revogou o § 5º do Art. 24 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 que permitia a exclusão da variação cambial do dólar da apuração do ganho de capital nas alienações de bens que tivessem sido adquiridos originalmente com recursos em moeda estrangeira. Essa isenção beneficiava aqueles que haviam retornado ao Brasil do exterior, expatriados que se mudaram para cá, além de outras situações como recebimento de heranças e doações do exterior ou rendimentos do trabalho realizado no exterior.
Pois bem, quem vendeu esses ativos ainda em 2023 conseguiu se beneficiar da isenção de IR sobre a variação cambial do dólar. Quem não fez nada, e pensa em vender esses ativos a partir de 2024, terá como consequência tributar toda a variação cambial positiva, ainda que o IR seja devido na Declaração de Ajuste Anual do ano que vem. A surpresa (= IR a pagar) pode ser grande.
Outro ponto importante diz respeito à necessidade de apuração diária dos ganhos e rendimentos financeiros auferidos no exterior com investimentos financeiros detidos pela pessoa física. Embora a Lei nº 14.754/2023 tenha mudado a sistemática de tributação de mensal para anual, ela não revogou a regra que determina que os rendimentos devam ser apurados na medida em que sejam recebidos. A melhor interpretação parece ser aquela que se baseia no Art. 15 da Lei nº 14.754/2023, que determina que a cotação a ser utilizada para a conversão de moeda estrangeira do ativos tratado na lei (leia-se aplicações financeiras) é aquela divulgada para a data do fato gerador, senão vejamos:
Art. 15. A cotação a ser utilizada para converter os valores em moeda estrangeira para moeda nacional é a cotação de fechamento da moeda estrangeira divulgada, para venda, pelo Banco Central do Brasil, para a data do fato gerador, ressalvadas as disposições específicas previstas nesta Lei.
Ocorrendo o fato gerador do IR da pessoa física quando o rendimento é recebido , sendo anual apenas a declaração dos rendimentos e a apuração do imposto a pagar , então a conversão desse rendimento em moeda estrangeira para reais deve ser feita pela cotação da moeda em questão na data do efetivo recebimento do rendimento, conforme o Art. 15 da Lei nº 14.754/2023.
Assim, se a natureza do rendimento for de aplicação financeira, então a sua conversão para reais deve ser dar pela “cotação de fechamento da moeda estrangeira divulgada, para venda, pelo Banco Central do Brasil” para a data do recebimento do rendimento. Ou seja, é uma apuração dia a dia, seja do rendimento creditado (cupom, juros, dividendo), seja do ganho de capital na venda dos investimentos, com a captura da variação cambial, como dissemos acima.
As pessoas parecem não ter se dado conta dessa ‘pequena’ mudança. A depender do volume de transações e rendimentos recebidos durante o ano, a contabilização e apuração de ganhos e rendimentos pode ser bastante complicada para aquele que mantém aplicações financeiras na pessoa física.
Imagine alguém que goste de negociar ações no exterior com muita frequência. A apuração do ganho de capital não deve ser em moeda estrangeira, mas sim em reais, com o controle da taxa de câmbio do dia da compra e da venda. O volume de informações a serem processadas pode ser brutal.
Uma venda com prejuízo em dólares, por exemplo, pode se tornar uma venda com lucro me reais se houve um aumento grande da cotação da moeda americana entre o dia da compra e da venda do ativo. O investidor perdeu em dólares, mas “lucrou” em reais, e deverá pagar 15% de IR na Declaração de Ajuste Anual de 2025. Isso pode ser uma surpresa bastante desagradável ao entregar o IR do ano que vem.
Daí a necessidade de se preparar e passar a fazer os controles adequados de compras e vendas, ganhos, prejuízos e rendimentos recebidos e, também, imposto retido no exterior. A estratégia de investimento direto no exterior deve passar a levar em conta, também, o efeito tributário no Brasil.
Veja, ainda, que a Lei nº 14.754/2023 passou a permitir a compensação de perdas havidas no exterior com aplicações financeiras. E, diferentemente do que ocorre com os investimentos financeiros no Brasil, em que ganhos de renda fixa não podem compensar perdas da renda variável, nas aplicações financeiras no exterior não existe essa limitação. Assim, as perdas com vendas de ações em bolsa no exterior podem compensar os rendimentos e ganhos financeiros com a venda de outras ações, de rendimentos com juros ou recebimento de dividendos de empresas não controladas no exterior.
Aquele bond de construtora pega em escândalos financeiros que é negociado a 3% do valor de face, ou da companhia aérea em recuperação judicial, ou mesmo as penny stocks que juraram que iam ser a próxima NVIDIA mas cuja cotação só derreteu nos últimos tempos. Será que não é hora de pensar em realizar o prejuízo agora, que poderá ser compensado com lucros e rendimentos de aplicações lucrativas que estão sendo recebidos em 2024?
Segurar um ativo ‘podre’ na esperança de que ele se recupere pode ser duplamente ruim. Primeiro, porque o ativo pode jamais de recuperar. Segundo, porque a não realização dessa perda fará você pagar imposto sobre os rendimentos e ganhos que está recendo em 2024. Ou seja, você pode estar ‘antecipando’ tributação e ‘postergando’ perda, sendo que o ideal é sempre o contrário.
Não há receita certa para essa estratégia. O que é importante, e esse é o alerta desse artigo, é não deixar para depois uma análise que deveria estar sendo feita agora, ainda em 2024, com vistas a reduzir eventual tributação da Declaração de Ajuste Anual do ano que vem. Se 2025 chegar e você não tiver feito nada, poderá ter uma surpresa bem desagradável.
E aí não adianta reclamar com o contador ou com o tributarista.
É fato que as oportunidades de minimização dos impostos são maiores quando o investimento é feito por meio de estruturas no exterior, como as empresas offshore, que será tema da Parte 2 desse artigo. Mas mesmo na pessoa física há espaço para certo planejamento.
O importante é que toda essa estratégia somente será possível se o investidor mantiver controle adequado e detalhado dos seus investimentos financeiros no exterior. O ano ainda não acabou, mas a hora de se planejar já chegou, podendo existir oportunidades interessantes para manobrar os ganhos, perdas e compensações com vistas a minimizar o imposto do IR a pagar em 2025.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor de Tributação das aplicações financeiras, empresas offshore e trusts no exterior (2024), Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais (2023), do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), todos publicados pela Editora B18.