O Superior Tribunal de Justiça divulgou nas últimas semanas de 2024, em seu Informativo de Jurisprudência n.º 821, julgado que definiu que não incide IRRF na transferência de quotas de fundos de investimentos por sucessão ou doação a custo histórico. A decisão é importante e pode ser utilizada como forma de otimização tributária na sucessão de ativos financeiros.
O STJ julgou o caso em 13 de agosto de 2024, quando analisou o Recurso Especial nº 1.968.695 SP, de relatoria do Ministro Gurgel de Faria. Por unanimidade, a 1ª Turma definiu que não incide IR Retido na Fonte sobre a transferência de quotas de fundo de investimento em evento sucessório (ou de doação), quando feito pelo custo histórico utilizado na DIRPF do sucedido ou do doador.
Vale notar que essa decisão valida, nada mais nada menos, aquilo que a letra da Lei já prevê, mas em que certo momento, a Receita Federal, através de seus entendimentos um tanto quanto duvidosos e enviesados, previu a incidência do IRRF para casos de transmissão de aplicações financeiras por sucessão hereditária, sem vincular à existência do ganho de capital. Isto ocorreu através do duvidoso Ato Declaratório Interpretativo ADI/SRFB 13/2007.
O julgado decidiu, em breves linhas, que o artigo 23 da Lei n.º 9.532/1997, estabelece duas opções para avaliação dos bens e direitos objeto de transferência de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento de legítima: (i) valor de mercado; ou (ii) valor constante da Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) do de cujus ou do doador. A lei é absolutamente clara e, como bem sabido, não se admite a interpretação de forma extensiva da norma jurídica tributária, como queria fazer crer a União (e o fez durante alguns anos).
Nos termos do artigo 28, inciso II e §7.º, da Lei n.º 9.532/1997, nos fundos de investimento, constituídos sob qualquer forma, a base de cálculo do IRRF, devido na ocasião da liquidação, é composto pela diferença positiva entre o valor do resgate e o valor histórico de aquisição – custo de aquisição – das quotas.
Porém, diferentemente do que o fisco entende, não se aplica ao caso em comento o disposto no artigo 65 da mesma Lei n.º 9.532/1997, que trata da incidência do IRRF sobre o rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa. Os fundos de investimento são espécies diversas dos fundos de renda fixa, assim como o termo “alienação” não pode ser elastecido para abranger a “transferência causa mortis”, que é especificamente prevista no permissivo legal contido no artigo 23 da mesma Lei.
Como a lei penal, a lei tributária exige a norma stricto sensu a determinar a hipótese de incidência do IRRF, o que não existe no caso das transferências de quotas de fundos de investimento (seja qual for a modalidade) decorrente da sucessão realizada a custo histórico.
De outra sorte, o próprio Princípio da Legalidade em matéria tributária (artigo 150, inciso I da CF) impõe, pragmaticamente, o dever à autoridade administrativa que somente exija do contribuinte o tributo quando houver estrita adequação entre o fato gerador e a hipótese legal de incidência, o que não é observado na prática.
O STF já havia se manifestado em tema semelhante. Porém, no caso do Recurso Extraordinário nº 1.425.609/GO, a Suprema Corte entendeu pela ausência de bitributação e constitucionalidade da norma, que trata da incidência do IRRF quando da transferência de bens se opera pelo valor de mercado. No caso em referência, verificou-se que o efetivo ganho de capital, considerando que a autora do caso prático teria doado pelo valor de mercado os bens de sua herança à sua filha, adiantando a legítima.
Resta, pois, o entendimento pela Primeira Turma do STJ, que não incide IRRF sobre a transferência de quotas de fundos de investimento por sucessão, sem que haja resgate de quotas, requerendo sua transferência pelo custo histórico declarado na última DIRPF do de cujus ou doador.
Apesar de a norma ser clara, foi preciso levar a discussão até o STJ para que a Lei fosse aplicada em favor do contribuinte.
Fica aqui o convite a um pensamento: o contribuinte tem o dever legal de cumprimento da obrigação tributária, de modo que não o fazendo, ou o fazendo de modo a reduzir ilegalmente a carga tributária, responderá e será sancionado, em juros, multa etc.
E o fisco? Quando o fisco enviesa seu entendimento com o fito de arrecadar mais tributos “ilegalmente”, como no caso em apreço (uma vez que nitidamente agiu contra legem)? Caberia aos contribuintes lesados, além da recuperação dos créditos pagos indevidamente, mover uma ação indenizatória contra a administração pública, pois, responsabilidade da administração pública nada mais é do que a obrigação dos órgãos públicos e demais entes estatais de reparar os danos que seus agentes causarem no exercício da função pública, de forma objetiva ou subjetiva, conforme bem determinado no artigo 37 da Constituição Federal e artigo 43 do Código Civil[1].
Infelizmente, este tipo de reparação não costuma ser perquirida, seja pelo desconhecimento do contribuinte, seja pelo protecionismo que o próprio Judiciário criou em relação à Administração Pública.
[1] “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
Fabio Lago Meirelles, Advogado formado pela FMU/SP; Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil; LLM em Direito Penal e Processo Penal; Especialista em Planejamento Estratégico pela ADESG/SP – método ESG -; Contabilidade Geral pela FGV e IFRS pela IACAFM / IBEFAC; é head da área de Wealth Planning do Rocca & Zveibil Advogados
