Por David Roberto R. Soares da Silva
Nos últimos anos, o ITCMD (o imposto estadual incidente sobre heranças e doações) uma boa dose de atenção das autoridades estaduais, que passaram a ver nesse imposto uma importante fonte de arrecadação. Desde 2015, vários estados promoveram aumentos das alíquotas do ITCMD, vários dos quais cobrando a alíquota máxima permitida de 8%.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a alíquota máxima do imposto (ITD) aumentou de 4%, em 2015, para 5%, em 2016, passando a 8% a partir de 2018, com redução das isenções disponíveis. As guias de recolhimento do ITCMD, que no passado podiam ser adquiridas em papelaria, passaram a ser emitidas de forma eletrônica ou mediante comparecimento pessoal do interessado a uma repartição fiscal, sendo exigida a apresentação de declaração com informações detalhadas sobre a operação sujeita ao imposto estadual.
Como resultado do maior controle e fiscalização, a arrecadação subiu. No estado de São Paulo, por exemplo, enquanto a receita do ICMS cresceu 8,71 vezes entre 1997 e 2024 (de R$ 22,8 bilhões para R$ 198,7 bilhões), a receita do ITCMD no mesmo período cresceu mais de 48 vezes: de R$ 103 milhões em 1997 para R$ 5 bilhões em 2024 (dados até novembro 2024).
A edição da Emenda Constitucional nº 132 (EC 132), no final de 2023, trouxe algumas mudanças estruturais às regras do ITCMD, algumas das quais poderiam propiciar incremento na arrecadação. Entre as medidas trazidas pela EC 132, duas mereceram uma atenção especial por parte dos profissionais da área tributária e contribuintes: a determinação de alíquotas progressivas (limitadas a 8%) e a autorização para a cobrança do ITCMD sobre heranças e doações do exterior. No caso dessas últimas, a EC 132 visava permitir a sua cobrança pelos estados depois que o STF julgou inconstitucional as leis estaduais sobre o tema.
Durante 2024, esperou-se que essas mudanças fossem rapidamente implementadas nas legislações estaduais, dado que poderiam representar incremento nas receitas estaduais. Muitos correram para implementar planejamentos patrimoniais e doações em vida antes de o ano terminar, especialmente em estados que ainda cobravam alíquotas fixas mais baixas, como era o caso de São Paulo, Amazonas, Paraná, Minas Gerais, entre outros.
Mas a pressa e ansiedade dos contribuintes pareceu não ser compartilhada pelos poderes executivos e legislativos dos estados. O que se viu, na prática, foi uma quase inanição por parte dos entes federados. Esse é o resultado de minha recente pesquisa feita junto às assembleis legislativas de todos os estados, concluída no começo de 2025, e que compartilho nas próximas linhas.
Alíquotas progressivas
Antes da EC 132, vários estados já cobravam o ITCMD progressivo, a saber: Acre, Bahia (apenas para heranças), Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí (apenas para heranças), Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.
Mantinha alíquotas fixas os estados de Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia (para doações), Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Piauí, (apenas para doações), Roraima, e São Paulo. Nesses estados, as alíquotas fixas variaram de 2% a 5%, no máximo. Nenhum estado com alíquota fixa cobrava a alíquota máxima de 8%.
Pois bem, depois da EC 132, apenas um único estado que cobrava alíquota fixa passou a adotar a progressividade: Amazonas. E mesmo assim, a adaptação à EC 132 não foi extrema: a alíquota fixa, de 2% deu lugar a alíquotas progressivas de 2%, 3% e 4%. Dado que a lei amazonense foi aprovada em 23 de dezembro de 2024, ela somente entra em vigor depois de noventa dias, o que ainda permite a realização de doações com alíquota de 2% até o final de março de 2025.
Fora o estado amazônico, nenhum outro estado de alíquota fixa modificou o seu sistema, mantendo a mesma tributação dos anos anteriores. Dois deles, São Paulo e Paraná, até que tentaram aumentar a alíquota do ITCMD, mas sem sucesso.
A questão que fica é: qual a consequência da não adoção das alíquotas progressivas pelos estados? Na minha opinião, nenhuma. A determinação constitucional da progressividade não é autoaplicável; ela exige a aprovação de lei pelos legislativos estaduais. Sem essa aprovação, nada muda.
Heranças e doações do exterior
Com as doações e heranças do exterior, a situação foi um pouco diferente, revelando que um número um pouco maior de estados se preocupou em legislar sobre o tema. Nesse grupo que adaptou sua lei local para permitir a cobrança do ITCMD sobre heranças e doações do exterior estão os seguintes estados: Amazonas, Paraíba, Piauí, e Rio Grande do Norte. Somente esses estados estão aptos a cobrar o ITCMD sobre heranças e doações do exterior. E só.
Para os demais, nenhuma alteração foi sequer proposta, com exceção de Minas Gerais e Paraná, mas os respectivos projetos de lei não foram aprovados até a virada do ano. No caso do Paraná, a proposta foi retirada pelo Executivo estadual dias depois de apresentada na Assembleia paranaense. Em São Paulo, o projeto de lei apresentado por um deputado estadual (o famoso PL 7/2024) somente contemplava a progressividade do imposto, mas não a sua incidência sobre transmissões internacionais.
Com isso, parece haver consenso entre os profissionais que nenhum estado (afora Amazonas, Paraíba, Piauí, e Rio Grande do Norte) pode cobrar o ITCMD sobre heranças e doações do exterior. Isso porque, antes mesmo da edição da EC 132, o STF já havia julgado inconstitucional quase todas os dispositivos das leis estaduais que pretendiam cobrar o imposto nessas situações. Além de São Paulo[1], o STF também julgou inconstitucionais as leis estaduais de Acre[2], Alagoas[3], Amapá[4], Amazonas[5], Bahia[6], Ceará[7], Espírito Santo[8], Goiás[9], Maranhão[10], Mato Grosso do Sul[11], Minas Gerais[12], Pará[13], Paraíba[14], Paraná[15], Pernambuco[16], Piauí[17], Rio Grande do Sul[18], Rio de Janeiro[19]Rondônia[20], Santa Catarina[21], Tocantins[22] e do Distrito Federal[23].
Importante dizer que o estado de São Paulo insiste nesta cobrança, mesmo antes da EC 132, continuando a fazê-lo depois de sua edição, exigindo que donatários e sucessores ingressem com medidas judiciais para evitar a cobrança. A boa notícia, pelo menos até agora, é que o Judiciário paulista, com raríssimas exceções, tem se posicionado a favor dos contribuintes.
Por fim, vale dizer que, ao consular as legislações de vários estados, foi possível constatar que vários deles fazem indicação expressa da não incidência do ITCMD por força da declaração de inconstitucionalidade pelo STF. É o caso, por exemplo, do Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia e Santa Catarina. Para aqueles domiciliados nesses estados, as chances de cobrança, ao menos por ora, parece descartada, até que sejam editadas leis estaduais permitindo a cobrança.
Conclusão
Os contribuintes nos estados em que nada mudou devem permanecer alertas e acompanhar as propostas de alterações legislativas. Para eles, nada muda em 2025, mas 11 meses passam rapidamente e quem deseja implementar algum planejamento patrimonial e sucessório não deve esperar até o final do ano para agir.
[1] STF, Recurso Extraordinário nº 851108, julgamento em 01.03.2021.
[2] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6829, julgamento em 21.02.2022.
[3] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6828, julgamento em 03.11.2022.
[4] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6837, julgamento em 21.02.2022.
[5] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6836, julgamento em 21.02.2022.
[6] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6835, julgamento em 21.02.2022.
[7] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6834, julgamento em 21.02.2022.
[8] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6832, julgamento em 21.02.2022.
[9] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6831, julgamento em 21.02.2022.
[10] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6821, julgamento em 21.02.2022.
[11] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6840, julgamento em 21.03.2022.
[12] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6839, julgamento em 21.02.2022.
[13] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6819, julgamento em 04.04.2022.
[14] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6822, julgamento em 21.02.2022.
[15] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6818, julgamento em 21.03.2022.
[16] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6817, julgamento em 21.02.2022.
[17] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6827, julgamento em 21.02.2022.
[18] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6825, julgamento em 21.02.2022.
[19] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6826, julgamento em 09.03.2022.
[20] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6824, julgamento em 21.02.2022.
[21] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6823, julgamento em 21.03.2022.
[22] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6820, julgamento em 21.03.2022.
[23] STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6833, julgamento em 21.03.2022.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor de Tributação das aplicações financeiras, empresas offshore e trusts no exterior (2024), Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais (2023), do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), todos publicados pela Editora B18.