Por David Roberto R. Soares da Silva
O tema da semana passada foi a famigerada MP 1303 que pretende mudar radicalmente a tributação das aplicações financeiras, no Brasil e no exterior, entre outras coisas.
Uma das maiores gritas veio do agronegócio e dos setores da construção e infraestrutura, cujos títulos para captação de recursos são (por ora) isentos de imposto de renda, mas que a MP 1303 quer passar a cobrar 5%.
Essa proposta de tributação de 5% está contida no Art. 41 da MP 1303, e inclui expressamente os seguintes títulos do agro, da construção e outros títulos incentivados:
- Letras Hipotecárias, Letras de Crédito Imobiliário – LCI e Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI, de que tratam, respectivamente, a Lei nº 7.684/1988, os Arts. 12 a 17 da Lei nº 10.931/2004, e o Art. 6º da Lei nº 9.514/1997;
- Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, Warrant Agropecuário – WA, Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, regulados pelos Arts. 1º e 23 da Lei nº 11.076/2004;
- Cédula de Produto Rural – CPR sob a Lei nº 8.929/1994, negociada no mercado financeiro;
- Letras Imobiliárias Garantidas – LIG, da Lei nº 13.097/2015;
- Letras de Crédito do Desenvolvimento – LCD, de que trata a Lei nº 14.937/2024; e
- títulos e valores mobiliários de projetos de investimento e infraestrutura, nos termos da Lei nº 12.431/2011.
Se a MP 1303 passar incólume, a princípio, a tributação dos rendimentos desses títulos será de 5% e definitiva (Art. 41, § 2º, inciso II da MP), ou seja, sem possibilidade de compensação com o IRPF devido na Declaração de Ajuste Anual, como ocorrerá com as demais aplicações financeiras (Art. 3º, § 1º).
Se isso tudo já parece ruim, pode ficar ainda pior, especialmente se o Congresso Nacional também aprovar o Projeto de Lei nº 1087/2025 (PL 1087), de iniciativa do Poder Executivo, e que pretende criar o Imposto de Renda Mínimo (IRPFM) de 10% para os “super ricos”.
Poucos parecem ter feito a conexão, mas o PL 1087 prevê que a tributação mínima de 10% também atingirá os títulos que hoje são isentos do IR, particularmente daqueles que apresentem rendimentos anual acima de R$ 1,2 milhão.
O Art. 1º do PL 1087 faz diversas modificações na Lei nº 9.250/1995, criando o Capítulo III-A à esta lei, denominado de “Da Tributação das Altas Rendas”. Ele introduz o Art. 16-A à Lei nº 9.250/1995 que diz:
“Art. 16-A. A partir do exercício de 2027, ano-calendário de 2026, a pessoa física cuja soma de todos os rendimentos recebidos no ano-calendário seja superior a R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) fica sujeita ao IRPFM, nos termos do disposto neste artigo.
§ 1º Para fins do disposto no caput, serão considerados todos os rendimentos recebidos no ano-calendário, inclusive os tributados de forma exclusiva ou definitiva e os isentos ou sujeitos à alíquota zero ou reduzida, deduzindo-se, exclusivamente:
I – os ganhos de capital, exceto os decorrentes de operações realizadas em bolsa ou no mercado de balcão organizado sujeitas à tributação com base no ganho líquido no Brasil;
II – os rendimentos recebidos acumuladamente tributados exclusivamente na fonte, de que trata o art. 12-A da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, desde que o contribuinte não tenha optado pelo ajuste anual de que trata o § 5º do referido artigo; e
III – os valores recebidos por doação em adiantamento da legítima ou herança.”
Para os rendimentos iguais ou superiores a R$ 1,2 milhão, será aplicada uma alíquota padrão de 10% (Art. 16-A, § 2º).
Da base de cálculo do IRPFM de 10%, o § 3º do Art. 16-A permite algumas deduções, dentre elas os rendimentos de títulos e valores mobiliários sujeitos à isenção ou alíquota zero. Eis a redação do dispositivo:
“Art. 16-A (…)
§ 3º A base de cálculo do IRPFM corresponderá ao valor apurado nos termos do disposto no § 1º, deduzindo-se, exclusivamente:
I – os rendimentos auferidos em contas de depósitos de poupança;
II – os valores recebidos a título de indenização por acidente de trabalho, por danos materiais ou morais, ressalvados os lucros cessantes;
III – os rendimentos isentos de que trata o art. 6º, caput, incisos XIV e XXI, da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988; e
IV – os rendimentos de títulos e valores mobiliários isentos ou sujeitos à alíquota zero do imposto sobre a renda, exceto os rendimentos de ações e demais participações societárias.”
A ideia original por trás desse dispositivo era exatamente excluir da tributação do IRPFM de 10% os títulos incentivados, desde que isentos ou sujeitos à alíquota.
Ora, se a MP 1303 for aprovada do jeito que está, os títulos (hoje) isentos do agro, do setor de construção, de infraestrutura etc. passarão a ser sujeitar à alíquota de 5% e, portanto, não mais poderão se beneficiar da exclusão da base de cálculo do IRPFM de 10%.
Em outras palavras, não sendo mais isentos de IR, pois serão tributados à alíquota de 5%, os rendimentos desses títulos passarão a integrar a base de cálculo para fins de apuração do IRPFM de 10% a partir de 2026. Se a renda total anual do titular desses rendimentos superar R$ 1,2 milhão em 2026, incluindo os rendimentos de títulos do agro, do setor da construção, incentivados etc. haverá a incidência da alíquota de 10%.
Ou seja, o que parece ruim – a alíquota de 5% da MP 1303 a partir de 2026 – pode ficar ainda muito pior se o PL 1087 for aprovado do jeito que está, sem qualquer modificação pelo Congresso.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor de Tributação das aplicações financeiras, empresas offshore e trusts no exterior (2024), Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais (2023), do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018, 2022 e 2025), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), todos publicados pela Editora B18.
