Limitações dos poderes do curador no contexto da participação societária de interditados

Por Beatriz Martins Degrossi

O Art. 972 do Código Civil estabelece que a capacidade civil plena é requisito para o exercício da atividade empresarial. Entretanto, a lei e a doutrina contemplam situações em que indivíduos incapazes podem participar de empreendimentos, notadamente no âmbito societário.

Como bem pontua André Santa Cruz[1], a figura do sócio não se confunde com a do empresário, de modo que a incapacidade de um sócio não impede, necessariamente, sua permanência na sociedade. Nesses casos, a pessoa jurídica assume o papel de empresário, exigindo-se apenas que o incapaz não exerça funções de administração, tenha seu capital social totalmente integralizado e seja devidamente assistido ou representado, de acordo com o grau de sua incapacidade.

Nesse cenário, a curatela surge como instituto fundamental para a proteção dos interesses do sócio interditado.

Este artigo se propõe a analisar as limitações dos poderes do curador nesse contexto específico, buscando o equilíbrio entre a proteção dos direitos do incapaz e a preservação de sua autonomia, bem como a garantia da estabilidade e do regular funcionamento da sociedade empresária.

A Curatela e a Proteção do Incapaz: Princípios e Limites

A curatela, instituto de direito civil amplamente regulamentado pelo Código Civil e pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), tem como objetivo precípuo a proteção do incapaz, buscando preservar, na medida do possível, sua autonomia e seus direitos. No contexto da participação societária, essa proteção se torna ainda mais delicada, exigindo uma análise cuidadosa dos poderes do curador.

Um dos pilares da atuação do curador é o dever de agir sempre no melhor interesse do interditado. Essa premissa basilar impede que o curador pratique atos que prejudiquem o incapaz, seja por dolo ou culpa.

A doutrina e a jurisprudência têm reiteradamente destacado a natureza excepcional e proporcional da curatela, conforme ressalta Salles[2]. Desse modo, qualquer decisão que contrarie os interesses do interditado poderá ser objeto de questionamento judicial, visando à sua anulação.

A Obrigação de Prestar Contas e o Controle Judicial

A materialização do dever de agir no melhor interesse do interditado se concretiza, em grande medida, por meio da obrigação de prestar contas. O curador deve comprovar detalhadamente os gastos realizados em nome do interditado, especialmente aqueles relacionados à gestão de sua participação societária.

A prestação de contas deve ser apresentada no prazo determinado pelo juiz, geralmente anual, em procedimento específico distribuído por prevenção ao juízo que decretou a curatela, conforme orienta a Cartilha de Orientação aos Curadores[3]. Esse controle judicial é essencial para prevenir desvios e assegurar que os recursos sejam utilizados em benefício direto do incapaz, garantindo a continuidade de sua participação social e mantendo a supervisão judicial sobre os atos praticados pelo curador.

Restrições ao Uso de Recursos Financeiros e à Disposição Patrimonial

No exercício da administração dos bens do curatelado, que incluem a participação em sociedades empresárias, as restrições ao uso de recursos financeiros assumem especial relevância na interpretação dos poderes do curador.

A legislação busca, primordialmente, evitar abusos e má gestão, protegendo o patrimônio do incapaz e assegurando sua sustentabilidade financeira.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou no sentido de que “o curador possui poderes para exercer os direitos de acionista/quotista decorrentes da participação social do curatelado nas empresas, desde que não importem em disposição de seu patrimônio” (REsp n. 2.141.970, Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe 20/08/2024).

Para além disso, a legislação exige autorização judicial para a prática de atos que envolvam a administração do patrimônio e da renda do curatelado, tais como: pagamento de dívidas que não sejam mensais e ordinárias, transação ou celebração de acordos, venda de bens móveis e imóveis, sendo vedado contrair empréstimos ou dívidas em nome do curatelado (Cartilha de Orientação aos Curadores, MPDFT, 2019).

É importante ressaltar que, embora existam limitações relevantes aos atos comuns da atividade empresarial quando analisados sob a perspectiva da curatela, não se vislumbra uma interferência negativa nas operações da sociedade. O objetivo principal é evitar a dilapidação do patrimônio do incapaz, garantindo sua segurança financeira e a continuidade de sua participação societária.

Conclusão

A participação de um curatelado como sócio em uma sociedade empresária é uma situação complexa que exige uma análise cuidadosa e equilibrada. A aplicação da curatela de forma proporcional e restrita, abrangendo apenas os aspectos necessários para proteger o incapaz sem comprometer sua autonomia ou o funcionamento da empresa, pode viabilizar a manutenção do sócio interditado na sociedade, fortalecendo os princípios de inclusão, igualdade e cidadania.

A atuação do curador, nesse contexto, deve ser pautada pela diligência, pela transparência e pela busca constante do melhor interesse do curatelado, em consonância com os princípios e as normas que regem o Direito Empresarial e o Direito Civil brasileiro.


[1] SANTA CRUZ, André. Direito Empresarial, 8ª ed, São Paulo: Método, 2018.

[2] SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A responsabilidade civil das pessoas com deficiência e dos curadores após a lei brasileira de inclusão. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 4, n.1, jan./abr. 2021.

[3] MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Cartilha de Orientação aos Curadores, 2ª ed., 2019.

Beatriz Martins Degrossi é advogada especialista em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) e em Planejamento Patrimonial e Sucessório pela PUC-MG.

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