Por David Roberto R. Soares da Silva
Publicada em edição extra do Diário Oficial de 11 de junho, a Medida Provisória nº 1303/2025 (MP 1303) modifica radicalmente a forma como passarão a ser tributadas as aplicações financeiras. Assumindo que seja aprovada pelo Congresso Nacional até o final de 2025, as novas medidas valem a partir de 1º de janeiro de 2026, sendo algumas delas aplicáveis ainda em 2025.
Sujeito a uma análise mais aprofundada com o tempo, eis as primeiras impressões do novo “diploma” legal.
Nova sistemática de declaração e tributação
A MP 1.303/2025 estabelece uma nova sistemática de tributação para aplicações financeiras. O seu Art. 2º determina que (i) os rendimentos de aplicações financeiras sujeitos à MP 1303, (ii) os ganhos líquidos auferidos em bolsa e mercado de balcão organizado, (iii) a remuneração decorrente de empréstimo de valores mobiliários e (iv) rendimentos de fundos de investimento passarão a ser declarados de forma separada na Declaração de Ajuste Anual (DAA) a partir de 2026. Incluem-se nesta regra os rendimentos de operações de mútuo de recursos financeiros concedidos por pessoa jurídica não financeira ou contratados por meio de plataforma eletrônica (Art. 10).
Mas não é só isso. esses rendimentos passam a ser tributados no ajuste anual a uma alíquota unificada de 17,5% (Art. 5º). Ou seja, a MP 1303 acaba com a regressividade da alíquota do IRRF sobre os investimentos de acordo com o prazo de aplicação[1], e passa a tributar os rendimentos financeiros na DAA. Em caso do recebimento de rendimentos, ganhos, resgate ou alienação durante o ano, o IRRF retido (que até então era definitivo), passa a ser considerado antecipação do IRPF de 17,5% devido na DAA.
Para aplicações de curto prazo – até 360 dias – há uma redução da alíquota, aumentando-se, no entanto, a tributação por prazos mais longos.
Os rendimentos de caderneta de poupança continuam isentos de imposto de renda (Art. 11).
Outra novidade trazida pela MP 1303 (Art. 3º, § 4º) é a possibilidade de compensação de perdas com aplicações financeiras com rendimentos da mesma natureza, a partir de 1º de janeiro de 2026. Ou seja, na DAA 2027, haverá a possibilidade de se compensar perdas e rendimentos de aplicações financeiras no Brasil de maneira similar ao que ocorre com as aplicações financeiras no exterior, nos termos da Lei nº 14.754/2023. Esclareça-se, todavia, que as perdas compensáveis sob a MP 1303 são apenas com rendimentos de aplicações no Brasil.
Outra novidade diz respeito à possibilidade de restituição do IRRF retido sobre rendimentos de aplicações financeiras caso, no agregado dos rendimentos e compensações de perdas durante o ano, o valor do IRRF retido seja superior ao IRPF de 17,5% devido na DAA. Ou seja, se houve retenção de IRRF sobre alguns rendimentos e ganhos financeiros, mas ao final do ano o contribuinte compensou esses rendimentos com outras perdas, zerando, por exemplo, o ‘lucro’ financeiro do ano, o IRRF poderá ser objeto de restituição (Art. 3º, § 8º).
A MP 1303 deixa claro que não são considerados rendimentos de aplicações financeiras os dividendos e juros sobre capital próprio, assim como os ganhos na alienação, baixa, resgate ou amortização de ativos que não sejam negociados em bolsa ou mercado de balcão organizado (Art. 4º)
Renda variável
Ganhos líquidos auferidos em negociações de aplicações financeiras nos mercados de bolsa e de balcão organizado no País são tratados no Capítulo III da MP 1303 e possuem algumas regras específicas.
Uma delas é a possibilidade de que perdas com esses investimentos poderão ser compensadas com rendimentos de outras aplicações financeiras (renda fixa, por exemplo), caso excedam os ganhos da mesma natureza (Art. 13, § 7º). Trata-se de um avanço significativo, dado que até então as perdas da renda variável não podiam ser compensadas com rendimentos e ganhos de aplicações financeiras de outra natureza. Essa nova sistemática se assemelha àquela aplicável aos rendimentos financeiros no exterior, de que trata a Lei nº 14.754/2023.
No entanto, a MP 1303 passa a limitar em cinco anos a possibilidade de compensação; antes de sua edição, não havia prazo para compensar perdas sofridas com operações de renda variável.
Outra novidade é a mudança de mensal para trimestral na apuração dos ganhos. Assim como ocorre com o IRRF sobre os rendimentos financeiros, o IR devido sobre ganhos de renda variável deixa de ser definitivo e passa a ser considerado antecipação do IRPF (de 17,5%) devido na DAA (Art. 14). E, dada a mudança para apuração trimestral, o limite de isenção mensal de R$ 20 mil passa a ser de R$ 60 mil por trimestre (Art. 14, § 2º). Caso o montante das operações trimestrais exceda R$ 60 mil, todo o ganho deverá ser tributado (Art. 14, § 3º).
Fim da isenção para títulos incentivados
Títulos incentivados e antes isentos de IR passam a ser tributados pelo IRRF à alíquota de 5%. São eles:
- Letras Hipotecárias, Letras de Crédito Imobiliário – LCI e Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI (Lei nº 7.684/1988, Lei nº 10.931/2004, e Lei nº 9.514/1997);
- Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, Warrant Agropecuário – WA, Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA (Lei nº 11.076/2004);
- Cédula de Produto Rural – CPR (Lei nº 8.929/1994), desde que negociada no mercado financeiro;
- Letras Imobiliárias Garantidas – LIG (Lei nº 13.097/2015);
- Letras de Crédito do Desenvolvimento – LCD (Lei nº 14.937/2024); e
- Títulos e valores mobiliários relacionados a projetos de investimento e infraestrutura (Lei nº 12.431/2011).
Diferentemente das demais aplicações financeiras, o IRRF de 5% será considerado definitivo para a pessoa física e as perdas sofridas não poderão ser compensadas (Art. 41, §§ 2º e 3º).
O novo regime não se aplica aos títulos e valores mobiliários, inclusive as cotas de fundos de investimento, emitidos e integralizados até 31 de dezembro de 2025, que continuarão sendo regidos de acordo com as regras atuais, inclusive se alienados posteriormente em mercado secundário.
A partir de 1º de janeiro de 2026, os rendimentos auferidos pelos cotistas nas aplicações em fundos imobiliários e Fiagro ficarão sujeitos à retenção na fonte do IRRF à alíquota de 17,5%, na data da distribuição de rendimentos, da amortização ou do resgate de cotas (Art. 43). No entanto, essa regra não se aplica aos rendimentos distribuídos aos cotistas pessoas físicas, cujas cotas sejam admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou mercado de balcão organizado. Para eles, os rendimentos ficam sujeitos ao IRRF de 5%, quando possuírem, no mínimo, cem cotistas.
Tributação de Ativos Virtuais (Criptoativos e Criptomoedas)
Os ativos virtuais, que até então não eram considerados aplicações financeiras, passam a ser assim considerados, deixando os seus ganhos de serem considerados ganhos de capital com alíquotas progressivas de 15% a 22,5%.
Para esses ganhos auferidos por pessoa física, a alíquota passa a ser única de 17,5% (Art. 30, valendo a mesma alíquota para rendimentos pagos por esses ativos. Importante dizer que a MP 1303 muda a tributação dos criptoativos mantidos no exterior. Eles passam a se sujeitar à alíquota de 17,5% com apuração trimestral (Art. 35).
É permitida a dedução dos custos e das despesas cobrados pelos intermediários, mas desde que sejam efetivamente pagos, necessários à realização e à manutenção das operações e suportados por documentação hábil e idônea. A MP 1303 cria um critério até então inexistente da necessidade do custo ou despesa, assim como da documentação hábil.
Uma novidade interessante diz respeito à possibilidade de compensação de perdas realizadas nas negociações com ativo virtual. As perdas poderão ser utilizadas e compensadas por até cinco períodos de apuração. Vale o alerta, no entanto, sobre o período de apuração. À primeira vista, pode parecer que se trata de um período anual, o que permitiria compensação em até cinco ano. Ocorre que o § 2º do Art. 31 da MP 1303 estabelece que o período de apuração é trimestral, podendo ser interpretado que a compensação é possível por cinco períodos de três meses, ou seja, por um ano e três meses, apenas.
Outra regra específica para ativos virtuais é que as perdas que não puderem ser compensadas com ganhos com ativos virtuais não poderão ser compensadas com os demais rendimentos de aplicações financeiras (Art. 34, parágrafo único).
Aplicações financeiras no exterior e lucros de entidades controladas
Sem qualquer aviso prévio, e com apenas um ano de vigência, a tributação criada pela Lei nº 14.754/2023 foi alterada. A alíquota de 15% sobre rendimentos de aplicações financeiras no exterior e sobre lucros de entidades controladas no exterior foi aumentada de 15% para 17,5%.
Essa é a nova redação do § 1º do Art. 2º da Lei nº 14.754/2023, dada pelo maroto Art. 58 da MP 1303/2025.
“Art. 2º. A pessoa física residente no País declarará, de forma separada dos demais rendimentos e dos ganhos de capital, na Declaração de Ajuste Anual (DAA), os rendimentos do capital aplicado no exterior, nas modalidades de aplicações financeiras e de lucros e dividendos de entidades controladas.
§ 1º Os rendimentos de que trata o caputficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas – IRPF, no ajuste anual, à alíquota de 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela anual dos rendimentos, hipótese em que não será aplicada nenhuma dedução da base de cálculo.”
Limitação da compensações de perdas com aplicações financeiras no exterior
Mais uma maldade: na redação original da Lei nº 14.754/2023, as perdas com aplicações financeiras no exterior poderiam ser compensadas com rendimentos do exterior indefinidamente. Havendo excesso de perdas no ano, elas poderiam ser compensadas com lucros da offshore do mesmo ano.
A MP 1303 altera esse mecanismo para permitir a compensação de perdas com aplicações financeiras APENAS com rendimentos de aplicações financeiras, sem a possibilidade de utilizar essas perdas contra lucros de entidades controladas no exterior apurados no mesmo ano.
E, para piorar, limitou no tempo a possibilidade de compensação, sendo permitida em até cinco períodos de apuração posteriores.
Tokenização de offshore ou fundo de investimento
Outra mudança feita pela MP 1303 à Lei nº 14.754/2023 diz respeito à tokenização de ativos. Foi criado o § 1º-A ao Art. 5º, que passa a considerar como entidade controlada o ativo virtual que represente carteira de investimentos, participações societárias e outros ativos no exterior. Veja a nova disposição:
“§ 1º-A Para fins de interpretação do § 1º, considera-se compreendido no conceito de entidade, inclusive, o ativo virtual que represente, de forma direta ou indireta, direito sobre carteira de investimentos em aplicações financeiras, participações societárias ou demais ativos no exterior, ainda que não formalizado sob a forma de pessoa jurídica ou estrutura reconhecida por jurisdição estrangeira.”
Ou seja, esses ativos tokenizados passam a ser tratados como entidades controladas, sujeitos à tributação anual (e possivelmente automática), e ainda com a obrigatoriedade de preparar demonstrações financeiras.
Residentes no exterior
Exceto nas situações em que há isenção específicas para o investidor estrangeiro (ex., operações em bolsa, rendimentos de títulos públicos), os rendimentos de aplicações financeiras e de ativos virtuais auferidos por não residente passam a ser tributados à alíquota unificada de 17,5%, sendo 25% para aqueles domiciliados em jurisdição de tributação favorecida (paraíso fiscal).
Juros sobre capital próprio
Passam a ser tributados à alíquota de 20% de IRRF (Art. 63).
Considerações finais
As mudanças trazidas pela MP 1303 são significativas e desestimularão o investimento de longo prazo no Brasil.
O maior desafio, no entanto, será a aprovação pelo Congresso Nacional. As mudanças não as maiores feitas nos últimos 20 anos quando se fala de tributação das aplicações financeiras no Brasil e poderão sofrer resistência nas casas legislativas. Não seria de surpreender que ela caducasse sem ser analisada pelo Congresso.
A ver.
[1] Exceto renda variável, que era tributada à alíquota fixa 15%.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor de Tributação das aplicações financeiras, empresas offshore e trusts no exterior (2024), Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais (2023), do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018, 2022 e 2025), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), todos publicados pela Editora B18.
