Por Carlos Borrelli
O Projeto de Lei nº 1.087/2025, enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional, propõe a criação do Imposto de Renda Pessoa Física Mínimo (IRPFM), um novo modelo de tributação que visa corrigir distorções no sistema atual. A proposta foca em um dos aspectos mais debatidos no Brasil: a tributação sobre rendimentos elevados, especialmente de pessoas físicas que recebem dividendos isentos.
Embora a discussão sobre a tributação de dividendos seja recorrente, o IRPFM não trata diretamente dessa questão, mas estabelece uma alíquota mínima sobre a renda total da pessoa física, incluindo valores que anteriormente eram isentos.
O principal objetivo dessa medida é assegurar que aqueles com rendimentos elevados paguem um imposto mínimo sobre sua totalidade de renda, mesmo que parte dessa renda, como os dividendos, seja isenta de tributação. Essa mudança impactará, principalmente, os contribuintes que têm uma renda substancialmente composta por dividendos, que não eram sujeitos ao imposto de renda até o momento.
Como Funciona o Imposto de Renda Pessoa Física Mínimo?
O IRPFM estabelece uma alíquota mínima de 10% sobre a totalidade da renda anual da pessoa física, englobando salários, pró-labore, dividendos e demais rendimentos. A proposta visa corrigir a disparidade tributária, em que rendas altas, muitas vezes compostas por dividendos isentos, resultam em uma alíquota efetiva muito abaixo da média paga por assalariados.
Com a implementação do IRPFM, aqueles que têm uma alíquota efetiva inferior a 10% sobre sua renda total serão obrigados a complementar o imposto devido, alcançando essa alíquota mínima de 10%.
Essa mudança não configura uma tributação direta sobre os dividendos, mas sim uma tributação indireta. Ao exigir uma alíquota mínima de 10% sobre a renda total, incluindo os rendimentos que atualmente são isentos, o IRPFM efetivamente coloca os dividendos na base de cálculo, mesmo que indiretamente.
O Projeto de Lei visa combater a distorção que permite que indivíduos de alta renda paguem impostos significativamente menores do que aqueles que recebem salários ou rendimentos mais tradicionais.
Cálculo do Imposto de Renda Pessoa Física Mínimo
A forma de cálculo do IRPFM, conforme estabelecido no Projeto de Lei, segue uma lógica simples. O rendimento total anual do contribuinte é considerado, e sobre ele é aplicada uma alíquota mínima de 10%. Em seguida, verifica-se o imposto efetivamente pago durante o ano. Caso o valor pago seja inferior a 10% do rendimento total, o contribuinte terá que recolher a diferença.
A fórmula para o cálculo é a seguinte:
Imposto Devido (mínimo) = Rendimento Total Anual × 10%
Imposto Complementar = Imposto Devido (mínimo) – IRPF já pago
Ou, também, a seguinte fórmula:
Alíquota mínima = Rendimento total anual ÷ 60.000, limitada ao teto de 10%. A Receita Federal calculará quanto de imposto foi efetivamente recolhido sobre esse total e, caso o percentual fique abaixo da alíquota mínima exigida, será determinado o recolhimento complementar para igualar a carga àquele patamar.
Essa fórmula determina o valor mínimo de imposto a ser pago, e a diferença entre o imposto devido e o imposto já pago será exigida como complemento.
Quem Será Afetado pelo IRPFM?
A proposta de reforma do Imposto de Renda prevê uma aplicação gradual da alíquota mínima, com faixas de impacto baseadas na renda mensal. As faixas são as seguintes:
- Renda até R$ 5.000/mês (R$ 60 mil/ano): isenção total de IRPF.
- Renda entre R$ 5.000 e R$ 7.000/mês: redução do imposto atual.
- Renda entre R$ 7.000 e R$ 50.000/mês: aplicação da tabela progressiva do IRPF.
- Renda acima de R$ 50.000/mês: sujeita ao IRPFM se a alíquota efetiva for inferior a 10%.
- Renda acima de R$ 100.000/mês: aplicação obrigatória da alíquota mínima de 10%.
Por que Não Tributar Diretamente os Dividendos?
A razão pela qual o governo optou por não tributar diretamente os dividendos está relacionada à tentativa de evitar a bitributação. Isso porque os dividendos, ao serem distribuídos pelas empresas, já foram objeto de tributação na pessoa jurídica, o que poderia gerar questionamentos jurídicos e resistência, especialmente no Supremo Tribunal Federal.
Em vez de tributar diretamente os dividendos, o IRPFM foi estruturado de forma indireta, exigindo uma alíquota mínima de 10% sobre toda a renda da pessoa física. Com isso, os rendimentos isentos, como os dividendos, são incluídos no cálculo da base tributária sem que haja uma tributação direta sobre eles.
Estratégia Jurídica para Mitigar os Efeitos do IRPFM: A Criação de uma Holding Familiar
Dada a natureza do IRPFM e seu impacto sobre os rendimentos isentos, uma das estratégias jurídicas mais eficazes para mitigar seus efeitos é a criação de uma holding familiar. Através desse modelo, os dividendos são direcionados para a pessoa jurídica (a holding), em vez de serem distribuídos diretamente para a pessoa física, evitando assim que esses valores sejam computados no cálculo da renda total da pessoa física. Essa abordagem permite que os rendimentos da holding sejam tratados de maneira distinta, preservando a eficiência fiscal e protegendo o patrimônio da família.
Além da vantagem tributária, a holding familiar também pode ser usada para diversas finalidades, como planejamento sucessório, organização patrimonial e proteção contra riscos pessoais e empresariais. Com a holding, o empresário e sua família podem organizar de maneira mais eficiente a gestão dos bens e a distribuição de lucros, reduzindo os impactos da nova tributação.
Exemplo de Planejamento com Holding Familiar
Vamos ilustrar a estratégia com um exemplo prático. Sérgio, 45 anos, recebe R$ 150 mil por mês, sendo:
- R$ 10 mil de pró-labore, tributado pela tabela progressiva do IRPF.
- R$ 140 mil em dividendos, que atualmente são isentos de IR.
Com a aplicação do IRPFM, Sérgio seria obrigado a pagar cerca de R$ 180 mil por ano em imposto complementar, já que sua alíquota efetiva ficaria abaixo de 10%. No entanto, ao criar uma holding familiar e transferir os dividendos para a pessoa jurídica, Sérgio passaria a ser tributado apenas sobre o pró-labore como pessoa física. A holding, por sua vez, pode planejar de forma mais eficiente a distribuição de lucros ou reinvestir esses valores.
Conclusão
O Projeto de Lei nº 1.087/2025 traz uma mudança significativa na tributação da alta renda no Brasil, especialmente para profissionais liberais, empresários e investidores que estruturam sua renda de maneira eficiente e legal. A proposta, com seu enfoque na alíquota mínima de 10% sobre a renda total da pessoa física, visa corrigir distorções e assegurar maior justiça fiscal. No entanto, a criação de uma holding familiar pode ser uma estratégia eficiente para mitigar os impactos do novo imposto, preservando a proteção patrimonial e a eficiência tributária.
A compreensão detalhada das novas regras, a realização de simulações e o planejamento adequado são fundamentais para aqueles que desejam minimizar os efeitos do IRPFM e garantir maior segurança fiscal e patrimonial a longo prazo.
Carlos Borrelli é advogado especializado em planejamento sucessório e direito tributário, e sócio-fundador do Carlos Borrelli Advogados Associados, com sede em Curitiba/PR.
