O planejamento patrimonial e sucessório é um conjunto de estratégias que permite gerir e proteger bens, e transferi-los aos herdeiros de acordo com os desejos do titular. O objetivo é mostrar que o planejamento deve ser realizado por todos aqueles que possuem patrimônio e queiram ver seus bens transmitidos aos seus herdeiros, de forma que esses tenham paz e tranquilidade para continuar o legado de seus pais.
Provavelmente, muitos ainda não conhecem a importância desses planejamentos (patrimonial e sucessório). Desta forma, é necessário que se faça o esclarecimento da importância deles.
O planejamento patrimonial e sucessório nada mais é que um procedimento de definição antecipada da sucessão do patrimônio familiar, ou seja, a decisão antecipada de como será a transmissão do patrimônio existente por meio da partilha em vida aos herdeiros, bem como a proteção de todo esse patrimônio.
O planejamento é muito importante, pois, é possível permitir que o patrimônio familiar, conquistado ao longo da vida, seja conservado, protegido e transmitido da forma mais célere, efetiva e segura aos herdeiros, evitando os gastos com o inventário, impostos e, principalmente, a possibilidade de conflitos entre os herdeiros, com a judicialização da disputa.
Neste sentido, o ato de planejar a sucessão e o patrimônio não garante apenas a preservação dos bens imóveis, mas também da empresa familiar, visando estabelecer os limites e a forma de administração de todo o patrimônio além dos critérios e características técnicas Profissionais e pessoais que o herdeiro deverá ter para assumir a gestão do negócio.
Com o planejamento adequado, pode-se assegurar a proteção e a perpetuação do patrimônio, garantindo, assim, uma boa gestão e provendo a harmonia familiar. Também, não se pode esquecer da economia com as custas judiciais, taxas específicas que incidem em processos judiciais e extrajudiciais de inventário e os impostos incidentes na sucessão, como o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e o Imposto de Renda (IR).
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui mais de 60 milhões de ações de inventário em andamento, muitas delas arrastadas por anos em função de disputas e questões mal resolvidas. Uma pesquisa feita em 2006 divulgada pela Consultoria Bernhoeft revela que 95% das empresas são familiares e que 65% das falências ocorrem por conflitos entre os membros da família e não por problemas com o mercado. É nesse contexto que o planejamento sucessório e patrimonial se mostra essencial.
Some-se a isso um mundo pós-pandemia, grande instabilidade econômica e, ainda, a reforma tributária de 2023, como fatores que fizeram crescer a procura por elaboração de planejamento patrimonial em todo país.
Um estudo realizado pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB) mostrou que, só em testamentos, houve um aumento significativo de documentos lavrados, saltando de 38.566 testamentos em 2012 para 52.275 em 2021, um crescimento de 35,5%. Com relação à doação de bens, dados do mesmo CNB mostram que foram realizadas 71.252 escrituras públicas de doação em 2023, frente a 62.683 em 2022.
Exemplos de famosos que não fizeram planejamento patrimonial e sucessório
São vários os exemplos de pessoas famosas que não se preocuparam em organizar seu patrimônio em vida, como é o caso do humorista Chico Anysio, falecido em 2012, e que deixando um patrimônio de R$ 20 milhões. Embora ele tenha feito um testamento, ele excluiu o ator Lug de Paula, filho, portanto, herdeiro necessário, já que a lei brasileira não permite a deserção de filhos sem motivos reais. Além disso, sua última esposa, Malga Di Paula, defendeu que era desejo do marido que os filhos ‘herdassem’ apenas o patrimônio intelectual do pai, enquanto a ela caberia os bens materiais. Esta alegação foi contestada pelos oito filhos do humorista, fazendo com que a disputa se arraste há mais de 13 anos.
Outro humorista que não organizou o patrimônio em vida foi Mussum, falecido em 1994. O seu inventário já dura 31 anos e não foi finalizado devido à controvérsia envolvendo o reconhecimento de um filho, que é questionada pelos outros cinco herdeiros, travando a distribuição do patrimônio.
Exemplos de famosos que não fizeram planejamento patrimonial e sucessório
Atualmente, empresários e pessoas que tem conhecimento sobre a importância dessa engenharia de proteção patrimonial, buscam desde cedo organizar o seu patrimônio. Exemplo recente é o do comunicador Silvio Santos,que, com uma fortuna estimada em R$ 1 bilhão, fez a distribuição de seu patrimônio entre suas seis filhas e sua esposa, assegurando uma transição sem conflitos e a continuidade dos negócios. O apresentador iniciou o planejamento sucessório muito antes de sua morte e, prevendo os desafios de administrar um vasto império, que inclui o SBT, o Hotel Jequitimar e outras empresas, optou por realizar doações de parte de seus bens ainda em vida. Essa estratégia, comum em planejamentos sucessórios, permitiu a redução do impacto tributário e preparou suas filhas para o futuro, garantindo-lhes uma participação ativa na gestão dos negócios.O homem do baú sabia das coisas!
Outro exemplo famoso de planejamento patrimonial e sucessório bem-sucedido é o da jornalista e apresentadora Glória Maria. Com um patrimônio avaliado em mais de R$ 50 milhões, a jornalista semana antes de falecer, fez a organização de todo o seu patrimônio deixando todos os seus bens para suas duas filhas, que, por serem menores à época do falecimento, houve a necessidade de nomeação de um tutor que ficou responsável por administrar todo o patrimônio deixado pela jornalista até que suas filhas atinjam a maioridade civil para cuidar e administrar os bens herdados. Glória cuidou de seu maior bem, suas filhas!
Mecanismos utilizados para a proteção do patrimônio
Nosso ordenamento jurídico traz alguns mecanismos utilizados para garantir a proteção do patrimônio que visam promover a paz e harmonia familiar, são eles:
- Testamento – É um documento no qual a pessoa expressa a sua vontade em relação ao que gostaria que acontecesse após a sua morte. Ele pode conter aspectos que vão além de questões patrimoniais, desde que não extrapole disposições legais como o respeito á legítima, ou seja, a parte legal que cabe aos herdeiros necessários. O testamento pode ser feito por instrumento público, perante tabelião de notas e duas testemunhas, ou instrumento particular, perante três testemunhas. Ambos são válidos, porém o público é mais seguro, pois fica arquivado em uma central de testamentos, ao passo que o documento particular depende de alguém para levá-lo ao inventário.
- Doação – Outra maneira de transferir o patrimônio é por meio de doação em vida. Nesse caso, a lei determina que metade dos bens sejam preservados para os herdeiros necessários, como cônjuge e filhos, e os 50% restantes podem ser dispostos de acordo com a vontade do proprietário, com clausulas especificas de proteção integral ao patrimônio doado, inclusive com a possibilidade de retorno deste bem ao doador. Lembrando que, na transferência de bens imóveis, há cobrança do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), cujas alíquotas variam de acordo com cada estado. De forma geral, as alíquotas variam entre 2% e 8%. Como regra, a doação em vida não entra no inventário e, por isso, facilita a sucessão patrimonial.
- Previdência Privada – Normalmente, a previdência privada costuma ser lembrada somente quando pensamos em garantir um complemento para a aposentadoria do INSS. No entanto, ela pode ser um bom instrumento de planejamento sucessório. Na prática, o funcionamento dos planos de previdência privada se divide em duas fases. Na primeira, chamada de fase de acumulação, o investidor faz aportes regulares no fundo para formar as suas reservas financeiras. Na segunda, ocorre o resgate do valor investido ao longo dos anos (acrescido dos juros), que pode ser de uma vez só ou sob a forma de uma renda mensal. Em princípio, a previdência privada não entra no inventário, ao contrário de outros investimentos. Por isso, acaba sendo útil para gerar uma liquidez imediata aos sucessores, que pode ser utilizada para custear os gastos com o inventário. Em certos casos, porém, a previdência pode ser contestada, especialmente se houve a intenção clara do falecido de prejudicar herdeiros.
- HOLDING´s. A holding patrimonial é uma pessoa jurídica que tem o objetivo de administrar bens – no caso do patrimônio pessoal, ela também é chamada de holding familiar. Bens podem ser transferidos à holding, simplificando o processo sucessório. Embora popularizada nos últimos tempos, a utilização de uma holding no planejamento patrimonial e sucessório deve ser precedida de análises e cálculos tributários para que se tenha certeza da sua efetiva utilidade e otimização tributária.
- Seguros de Vida: Assim como os planos de previdência privada, o seguro de vida não tem nenhuma relação com o inventário, e não precisa cobrir somente os dependentes do segurado. De acordo com as coberturas contratadas, os valores também podem ser utilizados ainda em vida em casos de doenças graves ou acidentes, por exemplo. Outra vantagem do seguro de vida é a rapidez de pagamento a quem recebe a indenização. Isso porque a maioria das seguradoras existentes efetuam o pagamento desses recursos em até 30 dias de forma geral. Para fins de planejamento patrimonial, também se recomenda que o seguro de vida contemple os gastos estimados do inventário. Assim, uma família com um patrimônio imobiliário relevante, mas liquidez, nem para
- Offshores: Quem possui bens no exterior pode utilizar empresas offshore que permitem a transmissão do patrimônio para os beneficiários no Brasil. Essas estruturas são bastante flexíveis e podem ser adotadas juntamente com outras ferramentas de sucessão no exterior. A partir de 2024, no entanto, estruturas offshore passaram a ser tributadas anualmente pelo imposto de renda, sendo necessária uma análise prévia sobre as suas reais vantagens ao caso concreto.
Considerações finais
Todas as formas que vimos podem ser complementares em um processo de sucessão. Uma pessoa pode doar um imóvel em vida e deixar um testamento que trate sobre outros bens ou somente sobre a tutela dos filhos. Assim como quem tem uma offshore pode fazer uma previdência privada ou seguro para facilitar a vida dos herdeiros, que terão gastos com inventário. No planejamento sucessório, o principal é procurar contemplar todas as variáveis envolvidas, e isso se torna mais fácil com uma orientação especializada.
Vale salientar que, para os planejamentos apresentados, não podemos esquecer o relacionamento existente nas famílias, como, por exemplo, namoro, união estável, casamento e união homoafetiva, pois todos esses causam efeitos na sucessão dos bens.
A importância de planejar a organização o patrimônio vai muito além da simples proteção patrimonial; ela deve proteger principalmente o seu maior bem: sua família. Portanto, um planejamento adequado, pode-se assegurar a proteção e perpetuação do patrimônio, sua boa gestão no presente e sua transmissão tranquila aos sucessores no futuro, promovendo a paz e harmonia familiar em eventos de estresse, como morte do proprietário, e ganhar com a economia de impostos.
Luciane dos Santos Silva é advogada especialista em Direito das Famílias e Sucessões e sócia do Oliveira e Júnior e Santos Advogados, em São Paulo.
