Valor de mercado de ativos em holding e ITCMD. Análise de recente decisão do STJ.

Por David Roberto R. Soares da Silva

No último dia 19 de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão que pode ter impacto significativo em planejamentos envolvendo holdings e a doação de participações societárias.

No julgamento do Recurso Especial (REsp) 2.139.412/MT, a Corte Especial estabeleceu que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) deve ser calculado com base no valor de mercado dos imóveis integralizados no capital social de uma empresa, e não no valor patrimonial das quotas sociais em transmissões causa mortis. A decisão tem implicações profundas para o planejamento patrimonial e sucessório no Brasil, exigindo uma reavaliação das estratégias utilizadas por famílias e empresas para a transmissão de bens e direitos.

O caso surgiu a partir de uma transmissão causa mortis de quotas de uma sociedade que possuía imóveis integralizados em seu capital social a valor contábil. Os herdeiros argumentavam que o valor patrimonial das quotas deveria ser adotado para determinar a base de cálculo do ITCMD, enquanto o Fisco Estadual defendia que a base de cálculo deveria ser o valor de mercado dos imóveis conferidos ao capital da empresa. Inicialmente, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) decidiu em favor dos herdeiros, estabelecendo que a base de cálculo deveria ser apenas o valor patrimonial das quotas sociais, ou seja, o patrimônio líquido da empresa na data do fato gerador.

Inconformada, a Procuradoria Geral do Estado do Mato Grosso interpôs Recurso Especial ao STJ, alegando que essa interpretação contrariava o Art. 38 do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece que a base de cálculo do ITCMD deve ser o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

Ao julgar o recurso interposto pela Fazenda mato-grossense, a 2ª Turma do STJ definiu que a base de cálculo do ITCMD deve corresponder ao valor venal dos bens transmitidos, compreendido como o seu valor de mercado, e não o valor contábil das quotas sociais. O acórdão destacou que permitir que o imposto fosse calculado apenas com base no patrimônio líquido da sociedade poderia resultar em subavaliação e consequente redução indevida da carga tributária, contrariando a finalidade da tributação sobre heranças e doações.

A decisão do STJ tem implicações significativas para a interpretação e aplicação das leis tributárias relacionadas ao ITCMD. O tribunal adotou o princípio de que o fisco pode afastar o montante declarado pelo contribuinte quando verificar que não foram apurados isoladamente os valores de mercado dos bens imóveis que integralizaram o capital da empresa.

Ponto inusitado da decisão é que o acórdão não analisou a legislação do Mato Grosso (Lei 7.850/2002), que era alvo da disputa e que, na época do fato gerador, estabelecia que o valor venal das quotas de companhias fechadas deveria corresponder ao seu valor patrimonial na data da ocorrência do fato gerador. Ou seja, ao definir que a base de cálculo deve ser o valor venal dos bens imóveis, o STJ afastou a norma estadual sem discutir sua aplicabilidade ao caso concreto.

Esta decisão pode ter implicações significativas para o planejamento patrimonial e sucessório no Brasil.

Primeiramente, ela serve como um alerta para contribuintes que pretendem utilizar o valor patrimonial das quotas para fins de apuração da base de cálculo do ITCMD, independentemente de a legislação estadual estabelecer o valor de mercado como base de cálculo do imposto. Como se viu no acórdão, o STJ simplesmente desconsiderou o que dispunha a lei local na data do fato gerador, criando uma base de cálculo – supostamente baseada no CTN –  não expressamente prevista em lei.

Essa situação pode ser potencialmente perigosa, dado que estamos podem ficar tentados a questionar a base de cálculo em transmissões de participações societárias sem mesmo haver previsão na legislação local para a avaliação dos ativos subjacente a valor de mercado. Em São Paulo, por exemplo, uma tentativa de estabelecer a avaliação a valor de mercado de bens imóveis conferidos ao capital social de sociedades objeto de doação ou herança restou rejeitada pela Assembleia paulista em 2020, sendo mantida a lei que determina que a base de cálculo é o valor patrimonial das quotas.

Com a decisão do STJ, nada impediria ao fisco paulista, e vários outros, de passarem a questionar a base de cálculo na transmissão de participações societárias, aumentando o risco de disputas, insegurança e aumento da carga tributária.

Se, por um lado, o Art. 38 do CTN pode dispor que a base de cálculo do ITCMD é “valor venal dos bens ou direitos transmitidos”, não podemos nos esquecer que o Art. 150, inciso I da Constituição, veda “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Parece que faltou ao STJ a leitura da Lei Maior ao proferir a sua decisão.

Não que os estados não possam determinar a avaliação de bens imóveis conferidos ao capital de empresas para fins de ITCMD na doação ou herança dessas participações. O que eles precisam para tanto é aprovar leis que estabeleçam essa base de cálculo. No caso de São Paulo, por exemplo, tentativa existiu e fracassou, sendo que a lei vigente é expressa ao dizer que a base de cálculo para as participações societárias não negociadas em bolsa é o seu valor patrimonial, sem valoração a mercado dos bens detidos pela empresa.

A decisão do STJ sobre o ITCMD se insere em um contexto mais amplo de mudanças na tributação de heranças e doações no Brasil. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, por exemplo, propõe mudanças significativas na tributação do ITCMD, incluindo a possibilidade de alíquotas progressivas e disposições sobre a base de cálculo envolvendo imóveis.

A decisão do STJ no REsp 2.139.412/MT não é vinculante, mas deve servir de alerta a todos aqueles envolvidos em planejamento patrimonial e sucessório, pois um novo cenário de disputas pode estar surgindo no horizonte. Ao estabelecer que o valor de mercado dos bens deve prevalecer sobre o valor patrimonial das quotas sociais, o tribunal criou um precedente que tem impactos significativos no planejamento patrimonial e sucessório.

David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor de Tributação das aplicações financeiras, empresas offshore e trusts no exterior (2024), Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais (2023), do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), todos publicados pela Editora B18.

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