O uso da geolocalização como meio de prova em abandono afetivo

Por Emanuele Paranan Barbosa Güther

Quando se utiliza um serviço delivery, como pedido de comida ou de um motorista por aplicativo, se utiliza de geolocalização.  A geolocalização ou georreferenciação é um recurso que permite obter a localização geográfica de pessoas e objetos, de acordo com as coordenadas via satélite que são emitidas por sinais de internet (Wi-fi), radiofrequência, AGPS e GPS.

Porém, a geolocalização não surgiu com essa finalidade. Essa tecnologia teve origem dentro do contexto da Guerra Fria, sendo uma estratégia para identificação de tropas rivais. Na Justiça a tecnologia tem sido utilizada para auxiliar os processos na obtenção de provas.

Recentemente, o termo Advocacia 4.0 passou a ser utilizado em vários ramos do Direito, tendo como pressuposto o avanço tecnológico e do uso de dados. Dessa forma, vemos tanta ênfase sobre jurimetria, compliance, LGPD, Direito Digital e legaltechs em geral.

Esses recursos trazidos pela tecnologia são utilizados pelos advogados, que passaram a ter uma atuação mais estratégica e fundamentada em dados. Essa atuação gerou uma tomada de decisões assertiva e melhores resultados.

Nas ações de alimentos, há definição da guarda de filhos menores e as visitas[1]. O direito de convivência é um direito do próprio filho de conviver com o genitor que não convive cotidianamente, havendo o dever do pai de concretizar esse direito[2].

Há casos em que a atribuição da guarda pode ser outorgada à terceiros. Nesse contexto, os pais têm o dever de supervisionar os interesses do filho (Código Civil, Art. 1.583 § 5º), não sendo impedido o exercício do direito de convivência dos pais (ECA Art. 33 § 4º). Mas, os vínculos afetivos devem ser preservados, dessa forma há que se ponderar sobre o direito de visita, que deve ser estendido para outros parentes próximos do menor. Nas uniões homoafetivas, ainda que o filho biológico seja apenas da parceira(o), deve-se assegurar o direito de visita[3].

Nesse contexto, há um fato que ocorre de forma contundente: é o abandono afetivo, que nada mais é do que o genitor não comparece nas visitas designadas em juízo ou se afastam totalmente da convivência com o menor.

O abandono afetivo teve uma decisão em 2012, na qual a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, interpretou que não se trataria de falta do amor, e sim sobre o dever de cuidado.[4] Posteriormente, em novo julgamento, o Tribunal entendeu que não se tratava de mero ao dever de cuidado pelos pais ao filho, e que quando negligenciado, cabe uma responsabilização no âmbito civil, o que acarretaria em responsabilizar financeiramente o genitor que se omite ao seu dever de conviver com seu filho. Todavia esse entendimento não é unanime nos julgados sobre o mesmo tema[5].

Com o intuito de provar a falta de comparecimento para retirada do menor conforme determinação judicial, advogados podem requerer ao juízo a concessão de Ofício à operadora de celular do genitor, para que forneça a sua geolocalização. Após análise da geolocalização, é possível provar que nos dias e horários estipulados o genitor estava em local diverso.

Anteriormente ao recurso da geolocalização, era comum o registro de boletim de ocorrência ou a utilização limitada de conversas via WhatsApp ou e-mail para se embasar provas da ausência do genitor.

O WhatsApp se tornou indispensável na comunicação entre as pessoas na atualidade, desde comunicação no trabalho, amigos e na vida familiar, ou seja, pelo fato de terem as partes (genitor e genitora) relacionamento anterior à propositura da ação, podendo as partes juntar no processo as conversas, com o intuito de confirmar a veracidade dos fatos alegados e dos pedidos da ação. 

A utilização do WhatsApp ou print de ações da parte em redes sociais, como Instagram e Facebook, podem ser utilizadas como confissão extrajudicial, conforme prevê o Art. 389 do CPC, quando a parte admite a verdade de fato contrário ao seu próprio interesse. E mesmo que a confissão extrajudicial seja feita oralmente, terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal, conforme prevê o Art. 394 do CPC.

Com a determinação da visitação do genitor com o menor, a mãe ou o responsável despendeu seu tempo para cumprir o horário determinado e a ausência do genitor gera na criança uma frustração. Assim, além de descumprir o acordo ou decisão judicial, o genitor estará sujeito à multa, nos termos do Arts. 536, §§ 1º e 5º e 537, ambos do CPC e Art. 213 do ECA.

A multa, se aplicada, para os casos de descumprimento, não possui natureza indenizatória e tem por finalidade obrigar o devedor a cumprir a obrigação. O intuito é de que o devedor tenha a sensação de que não vale a pena descumprir o acordo ou decisão judicial, pois terá que pagar multa para a outra parte.

A prática reiterada no descumprimento da decisão judicial de visitas ao menor pode ensejar a Ação de Abandono Afetivo, pois, gerou uma falta de convivência com o menor. O desgaste não se refere somente à genitora, que se priva de outras obrigações para aguardar o genitor nas datas e horários determinados, mas sim gera um desgaste muito maior ao menor que tem sua expectativa frustrada diversas vezes. E, nesse caso, a geolocalização do genitor será prova fundamental para sustentar as provas de abandono efetivo, que, se reconhecido judicialmente, poderá ensejar consequências patrimoniais ao genitor omisso.

Emanuele Paranan Barbosa Güther é advogada especializada em Direito Tributário e sócia do Güther & Paranan Advogados, em São Paulo/SP


[1] Manual de Direito das Famílias – Maria Berenice Dias – 10ª Edição revista, atualizada e ampliada – Editora Revista dos Tribunais LTDA.

[2] Denise Duarte Bruno, Direito de Visita: direito de convivência, 313.

[3] Ação de cumprimento de acordo. Obrigação de fazer. Mãe socioafetiva. Cumprimento das visitas. Menor. Manutenção. O direito de visitação não pode ser abrigado só em razão do acordo judicial, pois decorre, em verdade, não de vínculo parental biológico, mas do (inequívoco) vínculo parental socioafetivo entre a autora e a criança, já reconhecido, aliás, no agravo de instrumento que fixou as visitas, antes do pacto judicial. […] Nesse contexto, não havendo, no feito, comprovação de resistência do menor quanto ao convívio com a autora, e nem mesmo que este convívio possa trazer prejuízo ao infante, e apenas resistência da mãe biológica, após a separação da companheira, em  manter a visitação ao infante, não há como ser obstaculizada a visitação avençada. Recurso desprovido. (TJRS, AC 70057350092, 7.ª C. Cív., rel. Des. Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. 11/06/2014).

[4] Recurso Especial – REsp 1.159.242/SP

[5] REsp 1.887.697/RJ,

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