Por Eduardo Arrieiro
Sancionada e publicada no Diário Oficial da União de 13/11/2023, a Lei nº 14.754/23, objeto da conversão do Projeto de Lei nº 4.173/23, que introduz modificações relevantes na tributação dos investimentos offshore e nos fundos de investimentos fechados constituídos no Brasil. As novas regras passam a vigorar já a partir de 01/01/2024.
Este artigo faz uma análise dos principais aspectos relacionados com a mudança da tributação dos fundos de investimento fechado.
O texto veicula as regras gerais, dispondo que os rendimentos de aplicações em fundos de investimento fechados no Brasil ficarão sujeitos à incidência do imposto sobre a renda (“IR”) nos termos da lei. Reitera, ainda, a isenção do IR sobre os ganhos líquidos das carteiras dos fundos de investimento.
Regra geral
O art. 17 institui a sistemática de cobrança periódica (“come-cotas”) nos fundos de investimentos constituídos sob a forma de condomínio fechado a partir de 01/01/2024, estabelecendo as alíquotas de 15% ou 20%, nos meses de maio e novembro, conforme classificação dos fundos como curto ou longo prazo, equiparando o regime de tributação dos fundos fechados ao que já vigora em relação aos fundos abertos.
Vale lembrar que:
- Consideram-se fundos de longo prazo: aquelas cuja carteira de títulos tenha prazo médio superior a 365 dias
- Consideram-se fundos curto prazo: os que tenham carteira média com prazo igual ou inferior a 365 dias.
O art. 27 da Lei nº 14.754/23, por sua vez, traz a previsão legal de tributação dos rendimentos acumulados nas cotas dos fundos fechados (“estoque”). Nesses casos, os rendimentos tributáveis corresponderão à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota em 31/12/2023 e o custo de aquisição calculado de acordo com as regras previstas no art. 17.
A tributação dos estoques se dará mediante a aplicação da alíquota de 15% em maio de 2024, com a opção de parcelamento do imposto devido em até 24 parcelas mensais corrigidas pela SELIC.
Apesar da duvidosa constitucionalidade da cobrança sobre os estoques dos fundos de investimentos, o art. 28 da Lei nº 14.754/23 trouxe a possibilidade de aplicação da alíquota de 8%, pelo cotista que optar por antecipar o recolhimento do “come-cotas”, com a apuração e recolhimento em dois momentos distintos:
- em relação aos rendimentos acumulados até 30/11/2023, que serão pagas em 4 (quatro) parcelas iguais, mensais e sucessivas, com vencimentos nos dias 29/12/2023, 31/01/2024, 29/02/2024 e 29/03/2024;
- no tocante aos rendimentos apurados no mês de dezembro de 2023 (1º a 31/12/2023), o IR deverá ser pago à vista, no último dia útil de maio de 2024.
É importante ressaltar que a opção pelo recolhimento antecipado apenas se consumará e se tornará definitiva com o pagamento integral do IR. Caso isso não ocorra, será aplicado o regime geral de tributação dos estoques, à alíquota de 15%, sendo deduzidas as parcelas pagas antecipadamente até a data do inadimplemento.
A possibilidade de tributação dos estoques com a alíquota reduzida deve reduzir significativamente o potencial contencioso tributário decorrente da tributação retroativa dos rendimentos, mas, de todo modo, não deverá eliminá-lo por completo.
A judicialização do caso, no entanto, deve ser avaliada com a devida cautela, de acordo com as particularidades de cada fundo de investimento, tendo em vista que a não tributação dos estoques impede que o fundo efetue distribuições ou repasses de recursos aos cotistas e realize novos investimentos.
Além disso, caso o pagamento do IR não seja feito a tempo, em decorrência da falta de provimento de recursos pelo cotista, a Lei nº 14.754/23 impõe que o administrador envie à Receita Federal do Brasil, na forma e no prazo a serem regulamentados, as seguintes informações:
- o número do CNPJ ou CPF do cotista;
- o valor dos rendimentos que serviram de base de cálculo para apuração do imposto;
- o valor do imposto devido.
Ao cumprir essa obrigação acessória de prestação de informações, a responsabilidade do administrador pela retenção e pelo recolhimento do imposto ficará afastada e a cobrança recairá sobre o cotista, com a imposição de penalidades.
Os arts. 18 a 25 trazem regras referentes aos fundos não sujeitos à tributação periódica pelo come-cotas, excepcionando expressamente da incidência, quando forem enquadrados como entidades de investimento:
- os Fundos de Investimento em Participações (“FIP”);
- os Fundos de Investimento em Índice de Mercado (“ETF”) de renda variável; e
- os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”).
Os Fundos de Investimento em Ações (FIA), classificados ou não como entidades de investimento, continuam não sujeitos ao come-cotas.
De acordo com o texto legal, são classificados como entidades de investimento os fundos que tiverem estrutura de gestão profissional, no nível do fundo ou de seus cotistas quando organizados como fundos de investimento no País ou como fundos ou veículos de investimentos no exterior, representada por agentes ou prestadores de serviços com poderes para tomar decisões de investimento e de desinvestimento de forma discricionária, com o propósito de obter retorno por meio de apreciação do capital investido ou de renda, ou de ambos, na forma a ser regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional.
Nesses casos, o IR incidirá apenas nos eventos de liquidez (resgate, da amortização ou alienação de cotas), de acordo com as regras específicas de cada espécie de fundo, conforme o caso.
Os rendimentos das aplicações nos FIPs, nos ETFs e nos FIDCs que não forem classificados como entidades de investimentos ficarão sujeitos ao come-cotas, à alíquota de 15%, em maio e novembro.
Não serão computadas na base de cálculo do IR as contrapartidas positivas ou negativas decorrentes da avaliação, pelo valor patrimonial ou pelo valor justo, de cotas ou de ações de emissão de pessoas jurídicas domiciliadas no País representativas de controle ou de coligação integrantes da carteira dos fundos, desde que evidenciadas em subcontas contábeis nas demonstrações financeiras dos Fundos. A subconta deverá ser revertida e o seu saldo compor a base de cálculo do IR no momento da realização do investimento pelo fundo ou quando registrados os valores a receber a título de dividendos e juros sobre capital próprio. Também haverá a incidência quando houver a distribuição de rendimentos pelo fundo aos cotistas, sob qualquer forma, inclusive na amortização ou no resgate de cotas.
A lei traz, portanto, a possibilidade de tributação dos dividendos e dos JCP (juros sobre capital próprio) quando pagos aos FIP não entidades de investimentos, ao contrário do que vigora atualmente.
Dispõe, ainda, que a ausência de controle em subconta para qualquer ativo do fundo obrigado a tal controle implicará a tributação dos rendimentos da aplicação na cota do fundo integralmente. Isso implica incidência de imposto sobre renda não realizada. Há alguns precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) nesse sentido, sob o prisma das normas inseridas na Lei nº 12.973/14.
Reforça esse entendimento, a disposição de caso seja apurada uma perda de ativo sem controle em subconta, essa perda não poderá ser deduzida do rendimento bruto submetido à incidência do IR. De todo modo, os administradores deverão observar tais regras, sob pena de serem responsabilizados pelo pagamento do imposto.
Exceção ao ‘come-cotas’
Além das espécies de fundos acima, o art. 39 expressamente afasta a aplicação das regras contidas na nova lei sobre os seguintes veículos:
- Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”);
- Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (“FIAGRO”);
- fundos de investimento em títulos públicos, no que toca a investidores não residente;
- investimentos de não residentes em FIPs e em Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (“FIEE”);
- Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (“FIPs-IE”) e os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (“FIPs-PD&I”);
- os fundos de investimento com cotistas exclusivamente não residentes; e
- os ETFs de Renda Fixa.
A não aplicação do come-cotas (manutenção do diferimento) deve ser estendida aos fundos que investirem, direta ou indiretamente, pelo menos 95% de seu patrimônio líquido em fundos não sujeitos ao come-cotas (por exemplo, FIP, ETF de renda variável e FIDC entidades de investimento, FIA, FII e FIAGRO, dentre outros).
No caso dos FII e FIAGROs o texto aprovado aumenta de 50 para 100 o número mínimo de cotistas necessário à aplicação da isenção do IRRF para pessoas físicas, no caso fundos que tenham suas cotas admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou mercado de balcão organizado.
Além disso, o texto determina que a isenção não se aplica ao conjunto de cotistas pessoas físicas ligadas que sejam titulares de cotas que representem 30% ou mais da totalidade das cotas emitidas pelos FIIs ou FIAGRO ou, ainda, cujas cotas lhes deem o direito ao recebimento de rendimentos superiores a 30% do total de rendimentos do fundo (como no caso de usufruto de cotas). Atualmente, essa limitação atinge apenas as pessoas físicas que detenham, individualmente, 10% ou mais das cotas do fundo ou o direito ao recebimento de 10% ou mais de seus rendimentos.
Ainda foram previstas regras de transição para os FII e FIAGRO recém-constituídos, impondo prazos de adequação às novas regras.
Fusão, cisão, incorporação ou transformação
Por fim, o texto aprovado veicula regras sobre a tributação das reorganizações de fundos de investimento, nos casos de fusão, cisão, incorporação ou transformação. Em suma, determinou-se que, em regra, essas operações estarão sujeitas à tributação pelo IRF, exceto:
- para reorganizações realizadas em 2023, caso a alíquota de IRF aplicável ao fundo derivado da reorganização seja igual ou maior do que aquela aplicável ao fundo fundido, cindido, incorporado ou transformado e o fundo não esteja sujeito à tributação pelo come-cotas;
- para reorganizações ocorridas a partir de 1º/01/2024, o IRF não será aplicável no caso de reorganizações que envolvam fundos sujeitos ao mesmo regime de tributação, caso não haja disponibilização de rendimentos aos investidores nem alteração da titularidade das cotas.
Certamente as alterações trazidas pela Lei nº 14.754/23 impactarão de forma severa a indústria de fundos de investimentos, obrigando a todos uma revisão pormenorizada dos aspectos fiscais das estruturas.
Eduardo Arrieiro, é advogado e mestre em Direito Tributário com mais de 20 anos de experiência, e sócio fundador do Arrieiro Advogados, em Belo Horizonte/MG.
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