Por Bruno Lima e Moura de Souza
Recentres notícias na imprensa dão conta de que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a incidência do imposto de renda (IR) sobre ganho de capital apurado nas doações e heranças sujeitas ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD, ITCD ou ITD, a depender do estado), imposto estadual devido pago por quem recebe bens ou direitos em herança ou doação.
O ganho de capital – sujeito ao imposto de renda – pode ser conceituado como sendo a diferença positiva entre o valor de alienação de bens ou direitos e o seu respectivo custo de aquisição. A doação equipara-se a uma forma de alienação, pois neste caso há a transferência de propriedade para outra pessoa de um bem ou direito.
Em recente decisão nos autos do ARE 1.387.761, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, a Primeira Turma do STF entendeu pela não incidência do IR nas doações e heranças já tributadas pelo ITCMD. Isso porque, na visão do relator que foi acompanhada pela maioria dos seus colegas de turma, admitir a incidência do IR acarretaria indevida bitributação em relação ao ITCMD.
Além da justificativa da bitributação, o Ministro Barroso entendeu que, na doação, o doador se desfaz de seu patrimônio, não gerando nenhum acréscimo patrimonial para si. Portanto, não haveria incidência de IR para o doador, uma vez que houve redução do seu patrimônio, gerando eventual acréscimo patrimonial apenas para o donatário.
Cumpre esclarecer que o fenômeno da bitributação ocorre quando duas autoridades diferentes, igualmente competentes, mas ultrapassando as atribuições que lhes são conferidas, entendem pela incidência de imposto, sob o mesmo fato gerador, sobre a mesma matéria tributável, ou seja, sob um mesmo acontecimento já alcançado por um tributo.
Para a Ministra Carmen Lúcia, que divergiu do voto do relator, não há bitributação porque o imposto de renda incide sobre o ganho de capital apurado na doação em antecipação da legítima, e não sobre a doação em si. Ou seja, a tributação não incidiria sobre o mesmo fato gerador, o ato da doação nada mais é do que o momento de apuração do ganho de capital, e não o fato gerador do tributo.
O entendimento da Ministra Carmen Lúcia está em linha com o argumento da Fazenda Nacional que entende não se tratar de dupla tributação, uma vez que o fato gerador do IR sobre ganho de capital não é a doação, mas a valorização decorrente do ganho auferido sobre o bem doado pelo seu valor de mercado, acima do valor histórico.
Para ilustrar, imagine um indivíduo que adquiriu um imóvel em 1988 por R$ 100 mil, e que desde então vinha declarando o bem no imposto de renda por este valor. Em 2023, ele resolve doar este imóvel aos filhos pelo valor de mercado, hoje avaliado em R$ 1 milhão. O Ministro Barroso, e a maioria dos colegas da Primeira Turma, entenderam que o IR não deve incidir sobre a diferença de R$ 900 mil, enquanto a Ministra Carmen Lúcia diverge e entende que essa diferença, descontadas as reduções de ganho de capital previstas em lei, deve ser tributada, pois houve ganho de capital pelo doador.
É importante esclarecer que esta doação pode ser realizada pelo valor histórico (R$ 100 mil) ou, caso o contribuinte assim opte, pelo valor de mercado (R$ 1 milhão). Mas por que realizar esta doação por um valor mais alto? Note que se o contribuinte optar por fazer a doação pelo valor de mercado (R$ 1 milhão), pagando o IR sobre ganho de capital incidente sobre a valorização, ele poderá se valer dos fatores de redução do ganho de capital previsto em lei, ao passo que, se fizer a doação pelo custo histórico (R$ 100 mil), e houver a intenção de alienar o imóvel em um futuro próximo, o donatário não poderá se valer dos fatores de redução do ganho de capital uma vez que para fins de cálculo do ganho de capital a data da doação será considerada como a nova data da aquisição do imóvel.
Em que pese a decisão favorável aos contribuintes, o STF já se posicionou de forma favorável à Fazenda Nacional em dois outros casos, de modo que esta discussão ainda está longe de acabar. Há de se destacar que, com a recente relativização da coisa julgada em matéria tributária, o contribuinte deve ser cauteloso, sob pena de ver futuramente o imposto ‘economizado’ sendo cobrado pela Receita Federal se o STF mudar o seu entendimento.
Bruno Lima e Moura de Souza é advogado pós-graduado em direito tributário e integrante do departamento de tax e wealth planning do BLS Advogados em São Paulo.
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