Já ouvi de tudo nos 20 anos de atuação no mercado financeiro, em especial no mercado de crédito. Alguns alegam que o crédito é um vilão, por causa das condições e juros praticados, e de que pode se tornar impagável e arruinar a vida do tomador para sempre. Concordo.
Outros alegam que é um ótimo instrumento para impulsionar os negócios, desde que usado com critério e sabedoria. Também concordo.
Nos 15 anos de atuação na concessão de crédito no agronegócio, pude acompanhar muitos produtores rurais utilizando a alavancagem como meio de aumentar seu patrimônio. Seja por aquisição de novas áreas, ampliação ou implementação de novas infraestruturas na sua propriedade, ou para custear sua produção agropecuária, a fim de obter lucro, e com as sobras, destinar para novos investimentos no negócio.
Mas cabe um alerta: assim como os financiamentos proporcionam o incremento patrimonial, também podem dilapidar o mesmo, se o uso do crédito for inconsciente e sem planejamento.
É importante conciliar algumas estratégias de proteção vinculadas ao crédito, como instrumento de mitigação de riscos nas atividades do agronegócio, e da manutenção do patrimônio e liquidez.
Vamos conhecer alguns deles, a maior parte está atrelado aos seguros.
Em quase a totalidade dos financiamentos rurais contratados, temos a prerrogativa de vincular um seguro do que é financiado. Por exemplo, se faz um custeio agropecuário, é possível fazer seguro da soja plantada, desde a fase produtiva até a comercialização do produto. Neste caso é muito comum os fatores climáticos afetarem a produção, o que vem acontecendo com muita recorrência no Brasil.
Se não tem seguro da produção, é perda de capital na certa. Por mais que o seguro não cubra todos os custos de produção envolvidos, ele certamente ameniza as perdas. Portanto, as chances de diminuir a liquidez e a descapitalização são reais.
O seguro de penhor rural é a modalidade que permite proteger os bens vinculados no financiamento, e que são objeto de garantias. A aquisição de uma máquina agrícola, equipamentos, benfeitorias e construções vinculadas no imóvel hipotecado ou alienado, e até mesmo a produção agropecuária são passíveis de seguro. O Manual de Crédito Rural[1] (MCR) do Banco Central estabelece que, dependendo de situações específicas, o seguro pode ser exigido na contratação dos financiamentos rurais.
Mas já vi alguns produtores adquirirem bens financiados em que não se exigiu a vinculação do seguro no ato da contratação do crédito, houve o sinistro e, por falta de seguro, houve a perda total do bem. O resultado foi uma perda dupla, pois o produtor ficou sem o bem, mas o seu financiamento continuou. No caso específico, foi o incêndio de uma colheitadeira em meio ao seu trabalho. Sabe-se lá o porquê de não ter seguro vigente do bem. É um risco que não vale a pena correr.
Resultado: ficar pagando por vários anos um bem totalmente perdido, um dos casos clássicos da diminuição do patrimônio. Casos de furto e roubo, vendaval, granizo e raio são motivos de perdas de patrimônio bem comuns no meio rural.
Seguro prestamista é a modalidade que permite a quitação do saldo devedor do financiamento, e até mesmo um valor residual aos familiares em caso de falecimento do titular que contratou o crédito. É um seguro controverso, onde muitos resistem em contratar.
Vou citar o caso que presenciei: a esposa de um produtor, que sempre lhe acompanhava para assinar a cédula rural no banco questionava sobre os seguros prestamistas contratados no último ano, alegando que já tinha seguros demais, e aí acabavam não contratando por acharem caro e desnecessário.
Três meses depois, o esposo sofreu um mal súbito e veio a falecer. Sabe qual foi a primeira pergunta quando a viúva chegou ao banco após a morte do marido? “Quais seguros estão vigentes para acionar o sinistro?”
Resultado: Duas operações de crédito estavam sem seguro, resultando um valor a desembolsar de quase R$ 500 mil.
Pense comigo: uma família fragilizada pela perda do ente querido, que ainda terá que desembolsar um valor considerável de inventário por não ter feito planejamento sucessório, sobre um patrimônio considerável, se recusaram a pagar menos de 2% do valor financiado, abrindo mão do seguro. Certamente sua liquidez foi severamente afetada.
Um outro mitigador de riscos patrimoniais são os instrumentos de proteção de preços agropecuários. Os contratos de futuros, opções e até mesmo contratos a termo, usados na forma de hedge e não de especulação, permitem proteger o valor dos bens e insumos agropecuários produzidos, mitigando o risco da oscilação de preços dos produtos.
Adotando estratégias conjuntas de comercialização e de hedge bem definidas, permite-se que o produtor mantenha ou até mesmo aumente seu valor patrimonial.
Com isso, trouxemos aqui alguns conceitos e fatos relevantes que comprovam a necessidade do planejamento patrimonial, aliado com estratégias utilizadas com frequência no agronegócio. Isso mostra a necessidade cada vez maior do profissionalismo e eficiência na gestão financeira e do patrimônio, em conjunto com a estratégia de maximização da produção, o que o produtor rural sabe fazer com excelência.
[1] https://www3.bcb.gov.br/mcr
José Luís Bassani é economista, professor universitário e planejador financeiro pessoal com foco em planejamento patrimonial e sucessório para produtores rurais.
O planejamento patrimonial e sucessório do produtor rural é tema abordado no nosso best-seller PLANEJAMENTO PATRIMONIAL, exclusividade da Editora B18:
1 comments